Pré-estreia do filme “Para além dos seios” neste domingo (4), no Cine Brasília

alternativaprincipalO filme “Para além dos seios” estreia no Cine Brasília, neste domingo (4/12), às 17h, em única apresentação. Toca em assuntos que vão muito além dos seios e é uma obra que chegou na hora certa, trazendo o espírito de uma época e que seguirá seu caminho. Surge num momento difícil da sociedade brasileira em que, dentre outras encruzilhadas, tenta-se abafar o debate sobre questões de gênero, vive-se o temor do feminicídio e se fala muito, sobretudo nas redes sociais, em cultura do estupro no Brasil.
Antenado com a atualidade, o filme traz depoimentos reveladores sobre vários temas pulsantes da sociedade e remete a dados históricos que denunciam como ocorreu a formação do povo e da cultura brasileiros, como este que diz que a cultura do estupro está no Brasil desde o Descobrimento, quando os primeiros degradados de Portugal chegaram em terras americanas e violentaram as meninas virgens e indígenas.
Dirigido por Adriano Soares (Adriano Big), “Para além dos seios” não traz um discurso linear, e sim vários discursos que vão se entrecruzando, interagindo e abrindo outras discussões. Por exemplo, debate-se o tema do câncer de mama e da mastectomia e, em seguida, desemboca-se na questão de gênero e no tema LGBT e, daí, parte para a reflexão sobre o racismo que remete ao Escola sem Partido e por aí vai, interligando-se com vários outros discursos que seguem na linha do gênero, do empoderamento feminino e do combate a essa cultura violenta de fragmentar a mulher em pedaços: ela é boca, é seio, é nádegas, é virilha, é pernas.
Um filme que mostra a violência doméstica e desnuda o consumismo da imagem da mulher. “Esse consumismo de um capitalismo simbólico em que a mulher se torna mercadoria, mas ela não é mercadoria por inteiro, e sim, fatiada”, explica Norlan Silva, professor da rede pública de ensino do Distrito Federal e produtor e distribuidor do filme.
“Para além dos seios” é um longa-metragem de 75 minutos (1h15) que será passado em todas as salas de cinema do Brasil a partir do dia 8 de março de 2017. Brasília, contudo, tem o privilégio de assistir à sua pré-estreia, em única apresentação, neste domingo (4). Não perca!
A diretoria colegiada do Sinpro-DF convida a toda a categoria a assistir à pré-estreia e lembra que o filme é financiado pelos expectadores e doadores por meio do mecanismo crowdfunding (financiamento coletivo) pelo site www.benfeitoria.com. Uma obra cinematográfica realizada sem recursos financeiros de grandes patrocinadores.
Trata-se de um trabalho audiovisual de um professor da rede pública de ensino do Distrito Federal e que está completamente afinado com a campanha mundial intitulada “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, a qual é subscrita e divulgada por todos os países que seguem e adotam o calendário ocidental.
“O filme chega em Brasília num momento oportuno porque estamos no período da campanha internacional ‘16 Dias de Ativismo’ e a gente vive hoje numa sociedade que tem se mostrado cada vez mais inquieta e indignada com a situação de violência contra a mulher. Daí a importância de a gente acompanhar um professor da rede que produziu um filme que trabalha essa questão de gênero, que traz esse olhar da sociedade sobre o gênero e que esse olhar muitas vezes revela uma característica da sociedade que, se por um lado, se espanta com essa violência, por outro, e ao mesmo tempo, naturaliza essa discriminação”, afirma Vilmara Carmo, coordenadora da Secretaria para Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras do Sinpro-DF.
Confira o trailer do filme:

Confira, a seguir, uma entrevista pingue-pongue com o diretor do filme, Adriano Big, e com Norlan Silva, professor de sociologia do Centro de Ensino Médio Setor Leste.
ENTREVISTA
ADRIANO BIG
“Para além dos seios”: uma bandeira de luta em favor da questão de gênero
Sinpro-DF – Por que o nome “Para além dos seios”?
Adriano Big – O “Para além dos seios” começou a partir de uma investigação. A gente tinha uma personagem, que era uma mulher transexual, que quando se decidiu pela identidade feminina, ela começou um tratamento hormonal para crescimento dos seios. E, por outro lado, a gente teve uma mulher que teve um câncer de mama, fez uma mastectomia dupla (remoção total da mama) e começou a se transformar para mostrar que a mulher não é só corpo, só seios, essas coisas.
E, a partir desses opostos – como no caso da mastectomia que os seios não estão lá como significante do feminino – a gente começou a trabalhar para buscar essa coisa do seio enquanto significante do feminino, enquanto questão de gênero na contemporaneidade e ir além dessas questões do que desenvolver. Por isso o título “Para além dos seios”. Eles chegam como um ponto de partida disso tudo.
Sinpro-DF – A partir disso, então, de que trata o filme, especificamente?
Adriano Big– A partir dessas investigações a gente começou a encontrar outras relações do seios nessa representação e a gente foi falar da Marcha das Vadias, de cirurgias estéticas, do transgênero masculino – que quer fazer a retirada dos seios para ter um corpo adequado ao gênero – e, com isso, buscamos vários personagens. A gente tem outras histórias, mulheres que mostram apenas os seios e falam da relação dos seios com o mundo. Tem uma mãe que fala do problema do aborto, que foi a primeira opção dela, mas acabou desistindo.
Tudo em torno dessas questões do corpo, desse corpo contemporâneo, que quer ser livre das relações de opressão que existem na sociedade, como o machismo, a ditadura da imagem, o padrão de beleza e uma série de outras questões.
FACEBOOK CENSURA OS SEIOS FEMININOS. O MASCULINO, NÃO
Sinpro-DF – A temática e as imagens que esse filme traz, então, batem de frente com essa cultura das redes sociais, mais especificamente do Facebook, de impedir a divulgação da imagem dos seios femininos. Se a imagem de seio não pode aparecer no Facebook, talvez, fazendo um paralelismo ou uma analogia, a gente pode dizer que a discussão de gênero também é proibida no Facebook.
Adriano Big – A gente passou muito por isso sendo censurada no Facebook. Fomos censurados três, quatro vezes. A gente não pode, por exemplo, usar o cartaz oficial do filme no Facebook porque aparece imagem de seio. O trailer que a gente fez para divulgar essa pré-estreia em Brasília, neste  4 de dezembro, é um trailer que não tem seios porque a gente precisou botar no Facebook.
Quando rolou aquela história do estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro no início deste ano, a gente fez um recorte do filme sobre a cultura do estupro, que queríamos identificar exatamente qual era o alcance dessa cultura do estupro, a gente um trailer em que colocávamos seios em perspectiva e por conta de 5 segundos de seios e da abertura do filme, o trailer foi censurado no Facebook após ele ter tido mais de 100 mil acessos e mais de três mil visualizações.
Por causa disso, minha conta do Facebook foi suspensa. Tive de mandar minha identidade escaneada para provar que eu era eu. Quando voltei a acessar, passei uma semana sem poder nem sequer responder às mensagens que eles mesmos me mandavam. Eu ficava só olhando. Quando acabou a suspensão em sete semanas, eu postei de novo uma nova versão e substitui as imagens dos seios pelo meu peito e isso não foi censurado. Quer dizer, o meu mamilo masculino não é censurado. Agora, o seio, o mamilo feminino é considerado algo pornográfico, obsceno. Esse tabu sobre o corpo das mulheres e que uma questão até mínima perto de outras coisas.
Sinpro-DF – Esse tipo de atitude do Facebook não seria uma ação propositada, justamente para impedir a discussão de gênero?
Adriano Big – Acho que não. Eles dizem que isso é uma afronta à comunidade do Facebook. É uma norma deles. E quando acontece, a pessoa que posta não tem direito à defesa. Isso não aconteceu só comigo não, mas também com outras e com vários objetos artísticos que remete ou que tem os seios femininos como imagem. Até mesmo o Ministério da Cultura foi vítima disso ao postar uma foto de seio. Censuraram uma postagem do Ministério da Cultura no Facebook.
No nosso caso, a primeira que nós sofremos foi no Instagram, em outubro de 2015. Tudo acontecendo sobre o Outubro Rosa, e a gente tinha uma coisa para conscientizar, uma campanha contra o tabu com o seio, com informações sobre o próprio toque no seio para identificação do câncer e vem uma rede social e censura uma imagem de um seio e de um trailer de um filme que a gente usa para divulgar o filme, que é a imagem de um corpo de mulher mastectomizado.
Quer dizer, a gente colocou no cartaz, que é o que a gente usa no Facebook, que é a imagem do corpo da mulher mastectomizado e falamos para eles: “Vocês querem censurar agora, censurem, mas a gente está no meio do Outubro Rosa.
NOVIDADES E DIDÁTICA
Sinpro-DF – O que mais temos de novidade sobre o filme?
Adriano Big – O filme tem uma coisa muito didática sobre essas questões contemporâneas sobre gênero. Traz também elementos e desenha o que seria  o pensamento contemporâneo sobre o corpo, além do que é um grande bate-papo, em que as mulheres se identificam muito, é falado muito desse processo da chegada do peito na adolescência, sobre os traumas. E é bacana, sobretudo, para quem está passando por isto agora, jovens que estão passando pela mudança e aceitação do corpo, até mesmo sobre definição de sexualidade, de gênero, e todas essas coisas.
Interessante porque a pessoa verá que não está sozinha e que as coisas que são pessoais são genéricas também e generalizadas. O filme tem um olhar humano sobre as pessoas. A gente fez algumas sessões. Chegamos a passar três meses em cartaz em Salvador, Bahia, o que é surreal para um filme nacional, e que foi feito lá, com as pessoas de lá, e, na época, tinha filmes que ganharam o Oscar em cartaz, e ainda assim a gente era a maior bilheteria do cinema. ´
É um filme que provoca muito as pessoas. A gente vai fazer um debate após a sessão, a gente quer muito ouvir as pessoas de Brasília. É uma experiência bacana: discutir coisas contemporâneas. Essa coisa também de como a nossa personagem lida com o enfrentamento do câncer, correndo risco de vida, e ela lida bem com este corpo mastectomizado, essa coisa nova que não é o feio, mas é diferente, na idade dela.
É um filme que prega muito essa temática de olhar o outro como ele é e tem uma perspectiva nova que estimula rever nossos conceitos e preconceitos, nossos tabus.
Sinpro-DF – Quando foi o primeiro lançamento dele?
Adriano Big – Lançado em 10 de março de 2016 em circuito comercial. Entrou em cartaz no início deste ano apenas em Salvador. Agora, está começando uma nova fase de apresentação em pré-estreias, por Brasília. Estamos começando a distribuí-lo no resto do país. É um filme feito sem dinheiro e o estamos distribuindo sem dinheiro também. Ele está sendo financiado pelo próprio público e outras instituições, mas o objetivo da gente é que ele seja, futuramente, utilizado como uma ferramenta didática, em sala de aula, na universidade, na área de saúde.
Em Salvador, após os três meses em cartaz, a gente passou a receber muita demanda por sessões especiais de determinadas universidades, cursos, áreas de saúde e de humanidades, que estão muito interessadas no conteúdo dele. Ele é um longa, com 75 minutos (1h15)
Sinpro-DF – Fale um pouco da parte mais técnica?
Adriano Big – Entre principais e secundários, são 13 atrizes/atores, mas tem muita gente que dá depoimentos. Vinte cinco mulheres deram depoimentos dentro desse recorte de só o peito aparecendo, só a boca, colocando essas questões sociais, raciais, sobre a dinâmica social, suas queixas e demandas, conta-se como é ser mulher no Brasil, nessa construção do gênero, das interfaces, da cultura do estupro.
ENTREVISTA
NORLAN SILVA

Antenado com a educação, o filme mostra o Programa Escola sem Partido como um grande obstáculo
Sinpro-DF – Temos também o Programa Escola sem Partido, que é um tipo de censura que paira sobre as escolas públicas e ameaça o fazer pedagógico, impedido o debate de gênero. Esse filme confronta com esse programa.
Norlan Silva – Quando a gente pensa o Escola sem Partido, a gente vê uma escola que não se abre ao diálogo, às discussões, principalmente às discussões contemporâneas, as quais nossos estudantes, professores e toda a comunidade escolar enfrentam fora da escola, vivencia. E dentro da escola é preciso ter esse diálogo, esse entendimento.
Quando a gente pensa numa escola sem partido, é uma escola que não busca esse entendimento das questões que emergem da sociedade, quer seja da política, quer seja da cultura, quer seja da sexualidade – que é um tema que faz parte dos parâmetros curriculares da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Os parâmetros da LDB estabelecem uma discussão sobre o corpo, as opções, sexuais, os comportamentos sexualizados que a gente tem na sociedade, seja no passado ou nos dias atuais.
Sinpro-DF – Uma espécie de debate sobre o Programa Escola sem Partido, sem mencioná-lo verbalmente.
Norlan Silva – Um filme como este enfrenta, ou seja, coloca de frente essa discussão sobre o diálogo e mostra a Escola sem Partido como um grande obstáculo. Assim, vejo este filme, como uma bandeira. Uma bandeira que ergue as discussões sobre a mulher, o feminino, do gênero, da sexualidade e dos problemas que, de certa forma, mais da metade da população brasileira e mais da metade dos(as) estudantes do Brasil enfrentam que é a questão da violência contra a mulher. Todo tipo de violência: psicológica, física, patrimonial, emocional etc.  E que se isso não é discutido, o que acontece? A Lei da Mordaça/Escola sem Partido alimenta de machismo.
Um machismo que já está estruturante na sociedade e que a gente precisa combate-lo e não é um combate simplesmente. A gente que combate-lo com diálogo, conversa, compreensão. A gente quer fazer que todos tenham acesso à compreensão de determinadas coias.
Sinpro-DF – Então se trata de um manifesto contra tudo isso no cinema brasileiro.
Norlan Silva – O filme “Para além dos seios” é uma bandeira para se enfrentar esse discurso retrógrado conservador da Escola sem Partido, da Lei da Mordaça. Essa lei que impede que as pessoas queiram colocar algo que já está represado em sua garganta, de falar e de se expor. Traz 13 testemunhos de experiências vividas que não foram inventadas. Não é a novela global que bota uma personagem que fala coisas que não são vividas na realidade. O filme traz pessoas que estão vivendo de fato aquilo do que estão falando.
Sinpro-DF – Como assim: não há um imaginário, algo que transporta para além da realidade?
Norlan Silva – O filme traz, por exemplo, uma adolescente que está esperando completar 18 anos para pôr silicone nos seios. Uma outra adolescente que sofreu bullying na escola, mas ela conseguiu superar e seguiu em frente apesar da questão dos seios. É a mãe de primeira viagem que que está extremamente desejosa para dar de mamar para seu filho. Todo esse percurso do final da gestação, o parto e a primeira amamentação. Por sinal, dentro dessa temática, e isso é interessante do filme, cada depoente está ligada à questão dos seios, mas está ligada também a uma outra questão.
Por exemplo, a mãe de primeira viagem, que está ali, acariciando a barriga, e aí ela fala sobre ter pensado em abortar. E aí entra no tema do aborto. Mas aí ela desiste de abortar e decide ter o filho por conta própria. E aí entra no tema da mãe solteira. Da criança que tem um laço família somente ligado à mãe. Mas depois houve uma conciliação do casal e aí leva o filme para uma situação do parto assistido, o parto natural. Assim, veja quantos temas estão ligados ao tema da amamentação.
Sinpro-DF – Os assuntos vão se entrelaçando, mostrando que tudo na vida está interconectado…
Norlan Silva – Sim. Traz a mulher que fez a dupla mastectomia, a qual irá falar da experiência vivida e da negligência dela, enquanto ser humano, que não resolveu aquele pequeno nódulo que era do tamanho de uma semente de laranja, o qual, quando ela decidiu vê-lo, já estava maior. O filme fala do cuidado do corpo, pessoal.
Ela fez tanta quimioterapia e radioterapia que teve de ir atrás de tratamentos alternativos porque viu as colegas dela que estavam fazendo esse tratamento ficarem fragilizadas organicamente. Ela buscou formas alternativas, como a yoga, fórmulas medicinais, como a maconha e a própria masturbação para liberação de substâncias que são produzidas pelo nosso corpo e que aliviam a tensão, como a dopamina, que são substância que o próprio organismo fabrica e que nos dá prazer.
Sinpro-DF – Ou seja, o filme toca em assuntos que vão muito além dos seios.
Norlan Silva – Sim. Tem um momento no filme que se fala da cultura do estupro. Uma das personagens é especializada na área das ciências humanas e fala que a cultura do estupro está no Brasil desde o Descobrimento, quando os primeiros degradados chegaram e violentaram as meninas virgens e indígenas. O filme não traz um discurso linear, e sim vários discursos que vão se cruzando e que vão abrindo outras discussões.
O filme, por si só, vai na linha do gênero e do empoderamento feminino e do combater essa cultura de fragmentar a mulher em pedaços: ela é boca, seio, nádegas, virilha, pernas. E fala do consumismo da imagem da mulher. Esse consumismo de um capitalismo simbólico em que a mulher se torna mercadoria, mas ela não é mercadoria por inteiro, e sim, fatiada. É um pedaço de carne, de açougue.
Nisso, o filme é uma ode, um hino para enfrentar o Programa Escola sem Partido porque não é um filme no sentido tendencioso, e sim que procura mostrar, claramente, quanto à questão do seio é tão complexa. Não é só uma proibição no Facebook. E também não é algo que uma história só é capaz de contar. Então, foi por isso que tivemos de buscar, de realizar um trabalho investigativo.
Apresentamos, recentemente, para o Congresso Brasileiro de Sociologia, uma proposta que pode abrir à possibilidade de se passar o filme lá para ser analisados por sociólogos do Brasil e do mundo inteiro.