O que realmente disse o nosso Patrono, Paulo Freire

Em dezembro de 2017, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH) recusou a sugestão de iniciativa popular (SUG 47/2017) de retirar de Paulo Freire o título de Patrono da Educação Brasileira (Lei 12.612).
Segundo sua autora, Stefanny Papaiano, “Paulo Freire é considerado filósofo de esquerda e seu método de educação se baseia na luta de classes, o sócio construtivismo é a materialização do marxismo cultural, os resultados são catastróficos e tal método já demonstrou em todas as avaliações internacionais que é um fracasso retumbante”.
Para ela, “não é possivel manter como patrono da nossa educação o responsável pelo método que levou a educação brasileira para o buraco”. Recebeu mais de 20 mil apoiadores.
Em contrapartida, a Contee e diversos intelectuais, pesquisadores, educadores, entidades do campo educacional e movimentos sociais divulgaram manifesto em defesa do legado do educador.
A relatora da matéria, senadora Fátima Bezerra (PT-RN), rejeitou a proposta e denunciou que ela “integra um movimento que, sob o pretexto de combater a doutrinação ideológica dos estudantes, busca abolir o pensamento crítico, a problematização da realidade e a alteridade. Não se trata de edificar uma escola sem partido, mas sim de edificar uma escola com partido único, ultraconservador no plano dos direitos humanos. Não se trata de evitar a doutrinação ideológica, mas de censurar o livre debate que permite o desmascaramento das ideologias oficiais ou hegemônicas, geradoras de opressões de variadas espécies”.
Vida dedicada à educação

Paulo Freire nasceu em Recife, em 1921, e dedicou sua vida à educação. Entre 1947 e 1954, trabalhou no Serviço Social da Indústria (SESI), com alfabetização de adultos. Alinhou-se aos que defendiam políticas desenvolvimentistas para o País. Coordenou o Programa Nacional de Alfabetização, no início dos anos 60. Por solicitação do Governo do Rio Grande do Norte, organizou a experiência de educação popular no município de Angicos, que objetivava alfabetizar trabalhadores em apenas 40 horas.
Com o golpe civil-militar de 1964, foi exilado, primeiro para a Bolívia e, logo em seguida, para o Chile, onde viveu até 1969. No Chile, participou de ações junto a trabalhadores rurais e publicou algumas de suas obras mais significativas, inclusive Pedagogia do Oprimido (1968), traduzida em mais de 20 idiomas. Na Europa, nos anos 70, trabalhou no Conselho Mundial das Igrejas, colaborou com movimentos sindicais e feministas, foi consultor de políticas educacionais em países da África libertados da condição colonial.
Em 1979 retornou ao Brasil e lecionou na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Participou de programas de pós-graduação e constituiu grupos de pesquisa que ampliaram e rearticularam o seu trabalho. Foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT). Entre 1989 e 1991, foi secretário Municipal de Educação de São Paulo, na gestão de Luíza Erundina (então, PT). Faleceu na capital paulista, em 1997. Entre inúmeras honrarias, foi laureado com 41 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades espalhadas por todo o mundo, sendo Professor Emérito de cinco universidades. Foi agraciado com diversos títulos da comunidade internacional, como o prêmio da UNESCO de Educação para a Paz, em 1986.
Em recente pesquisa sobre trabalhos científicos, realizada pela London School of Economics, Paulo Freire foi considerado um dos pensadores mundialmente mais lidos e mais referenciados, sendo que Pedagogia do Oprimido está entre os três livros mais citados nas ciências sociais e entre os 100 livros mais pedidos e consultados por universidades de língua inglesa.
O que Paulo Freire realmente disse

Seguem algumas citações de escritos seus, em torno da educação, acompanhadas do nome da obra de onde foram extraídas para o interessado poder ir à fonte e verificar sua contextualização:
Devemos dizer aos alunos como pensamos e por quê. Meu papel não é ficar em silêncio. Tenho que convencer aos meus alunos de meu sonho, mas não conquistá-los para mais silêncio. Tenho que convencer aos meus alunos do meu sonho, mas não conquistá-los para meus planos pessoais. (Medo e ousadia, 1987)
O que não é possível na prática democrática, é que o professor ou a professora (…) imponha aos alunos sua ‘leitura de mundo’, em cujo marco situa o ensino do conteúdo. Combater o autoritarismo de direita ou de esquerda não me leva, contudo, à impossível neutralidade, que não é outra coisa senão a maneira manhosa com que se procura esconder a opção. (Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido, 1992)
(…) o educando se torna realmente educando quando e na medida em que conhece ou vai conhecendo os conteúdos, os objetos cognoscíveis, e não na medida em que o educador vai depositando nele a descrição dos objetos e dos conteúdos. (Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido, 1992)
A alfabetização é um ato de conhecimento, de criação e não de memorização mecânica.
Os (as) alfabetizandos (as) são sujeitos de e no processo de alfabetização. A alfabetização deve partir do universo vocabular, pois os temas se retiram dele.
Compreender a cultura como criação humana, pois os homens e mulheres podem transformar através de suas ações.
O diálogo é o caminho que norteia a práxis alfabetizadora.
Leitura e escrita não se dividem dicotomicamente, ao contrário, se complementam, e se são combinadas, o processo de aprendizagem fará aliança com a riqueza da oralidade dos (as) alfabetizandos (as). (abordando o Movimento de Cultura Popular -MCP-, em Cartas a Cristina, 1994)
É preciso deixar claro que a transgressão da eticidade jamais pode ser vista como virtude, mas como ruptura com a decência. O que quero dizer é o seguinte: que alguém se torne machista, racista, classista, sei lá o quê, mas se assuma como transgressor da natureza humana. Não me venha com justificativas genéticas, sociológicas ou históricas ou filosóficas para explicar a superioridade da branquitude sobre a negritude, dos homens sobre as mulheres, dos patrões sobre os empregados. Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever, por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar. (Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, 1996).
É no inacabamento do ser que se sabe como tal que se baseia a educação como processo permanente. Mulheres e homens se convertem em educáveis à medida que se reconheçam como inacabados. Não foi a educação que fez educáveis aos homens e mulheres, mas sim a consciência de seu inacabamento que gerou sua educabilidade. (Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, 1996).
Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que dizemos e o que fazemos. (Pedagogia da Indignação – Cartas pedagógicas e outros escritos, 2000).
(…) a formação técnico-científica de que urgentemente precisamos é muito mais do que puro treinamento ou adestramento para o uso de procedimentos tecnológicos. No fundo, a educação de adultos hoje como a educação em geral não podem prescindir do exercício de pensar criticamente a própria técnica. O convívio com as técnicas a que não falte a vigilância ética implica uma reflexão radical, jamais cavilosa, sobre o ser humano, sobre sua presença no mundo e com o mundo. Filosofar, assim, se impõe não como puro encanto mas como espanto diante do mundo, diante das coisas, da História que precisa ser compreendida ao ser vivida no jogo em que, ao fazê-la, somos por ela feitos e refeitos. (Pedagogia da Indignação – Cartas pedagógicas e outros escritos, 2000)
Sem limites é impossível que a libertação se converta em liberdade e também é impossível para a autoridade realizar sua obrigação, que é precisamente estruturar limites (…) necessitamos de limites, e ao viver a necessidade de limites, também vivemos o respeito à liberdade e à necessidade de exercer autoridade. (O Caminho Se Faz Caminhando – Conversas Sobre Educação e Mudança Social, escrito com Myles Horton, 2003).
*Carlos Pompe é jornalista da Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino)
(do Vermelho)