O desafio de adolescentes que se dividem entre a escola e a maternidade

Em dois anos, mais de 12 mil meninas entre 13 e 19 anos se tornaram mães no Distrito Federal. Em idade escolar, não dá para saber se elas desistiram ou permaneceram nas salas de aula: a Secretaria de Educação não tem qualquer controle em relação às alunas gestantes e lactantes. Apesar de a orientação ser de acompanhamento antes, durante e depois da gravidez, estudantes acusam dificuldade das direções escolares para retomar os estudos.
Aos 16 anos, Ana (nome fictício) carrega no colo Mirella, de quatro meses, que virou sua vida do avesso. A menina engravidou enquanto cursava o último ano do Ensino Fundamental e é uma das 5.685 jovens de 13 a 19 anos que tiveram partos realizados no DF no ano passado, segundo a Secretaria de Saúde. Isso representa quase 15% de todos os procedimentos realizados na capital naquele período.
A Secretaria de Educação não sabe dizer quantas meninas grávidas ou lactantes estão matriculadas ou evadiram. Subsecretário de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação, Fábio Pereira de Sousa diz que o levantamento não é feito para não expor a aluna e a família. Apesar disso, ele considera que a aparência é de diminuição de casos de gravidez precoce.
Direitos
“A adolescente tem todos os direitos de mulher grávida, como licença gestante de quatro meses e trabalhos domiciliares”, afirma Sousa. Após a volta, a recomendação é buscar uma creche para o bebê ou deixá-lo sob supervisão de parentes, já que a permanência da criança em sala de aula é restrita.
Necessidades pontuais são exceção. “Assim como uma mãe adulta, após a licença, a adolescente tem direito a liberação para amamentar. Se levar atestado médico indicando horários para alimentação do filho, ela pode ter horário especial. Se precisa trocar de turno, a prioridade é dela”, garante.
Nada disso aconteceu com Ana, que abandonou os estudos antes do meio do ano passado. Ela diz que nunca recebeu qualquer suporte, direcionamento ou acompanhamento escolar. Ao desistir de comparecer às aulas, a jovem reprovou por falta e, quando tentou voltar, foi destratada. Ela está matriculada no turno vespertino, período em que não consegue deixar a criança com parentes. “O diretor quer que eu me vire, mas não posso deixar a menina com fome, em qualquer lugar. Quero estudar porque é melhor para mim e para ela, mas desse jeito não tem como”, lamenta.
Impasse dificulta presença em sala
Pelo menos outras duas meninas na escola de Ana (nome fictício) estariam na mesma situação: querem estudar, mas no turno em que estão matriculadas não há ninguém que possa ficar com as crianças. Segundo a adolescente, o diretor do Centro de Ensino Fundamental São Bartolomeu, em São Sebastião, em vez de tentar resolver o problema, preferiu dar “lição de moral”. O JBr. tentou contato com a direção por dois dias, mas não obteve resposta.
Para o subsecretário Fábio de Sousa, casos como o de Ana são pontuais e é preciso intervir e orientar a direção. “Mesmo que não seja questão de direito regulamentado, é preciso ter bom senso”, avalia. À menina, ele orienta registrar a reclamação na ouvidoria da Secretaria de Educação (156) ou na Coordenação Regional de Ensino.
Relação sexual
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), divulgada no fim do ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indica 23% dos que cursam o 9ª ano do Ensino Fundamental no DF já tiveram relação sexual. A idade média dos matriculados nessa etapa é de 15 anos.
Entre os meninos, 31,7% declararam já ter se relacionado sexualmente alguma vez, enquanto entre as garotas o percentual caiu pela metade: 15,6%. Pouco mais da metade dessas pessoas utilizou preservativo na primeira relação: 59%. A taxa de gravidez é de 0,4%.
Segundo o subsecretário Fábio de Sousa, orientadores educacionais têm a função de acompanhar os alunos, inclusive em relação à prevenção. É regra a orientação específica sobre a situação escolar, a gestação e os direitos garantidos aos pais. A principal preocupação seria com a evasão escolar. Conforme os números do Pense, 79% dos alunos dizem ter recebido orientação preventiva nas escolas públicas e privadas do DF.
Saiba Mais
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que uma em cada cinco crianças no Brasil é filha de mãe adolescente, sendo que 58% dessas adolescentes não estudavam quando engravidaram.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno pelo menos até o 6 meses de idade, quando a criança deve ter acesso exclusivamente a esse alimento. Bebês que são amamentados ficam menos doentes e são mais bem nutridos do que aqueles que ingerem qualquer outro tipo de alimento.
Uma portaria do Ministério da Educação publicada em maio de 2017 no Diário Oficial da União garante o direito de mães amamentarem seus bebês em instituições do sistema federal de ensino, mesmo que não haja uma estrutura ou espaço específico para isso.
(do Jornal de Brasília)