LGBTs ainda são invisibilizados nas direções sindicais

Viadinho. Bicha. Traveca, tem que morrer. Mulher macho, que nojo. Essas e muitas outras ofensas e barreiras fazem parte do dia a dia de milhares de trabalhadores e trabalhadoras LGBTs – sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e outras identidades de gênero – no Brasil. O agravante é que este desumano cenário social também está incrustado em espaços que nasceram para promover a igualdade, o respeito e a defesa dos direitos humanos e trabalhistas, como os sindicatos.
Uma das formas de se comprovar isso é a partir da análise da falta da representatividade LGBT nas direções sindicais. Dos sete maiores sindicatos filiados à CUT Brasília (professores, bancários, rodoviários, servidores públicos federais no DF, vigilantes, trabalhadores terceirizados e comerciários), apenas dois têm dirigentes que se declaram gay, lésbica ou bissexual. Em nenhum deles há dirigente transexual. Dessas sete entidades, apenas uma tem pasta específica para tratar sobre LGBTs.
De acordo com o secretário de Políticas Sociais da CUT Brasília, Yuri Soares, que é professor de história da rede pública de ensino, a falta de representatividade de LGBTs nas direções sindicais se dá em decorrência da hegemonia da ideologia da classe dominante. Os preconceitos historicamente construídos pelas gerações anteriores estão enraizados na sociedade atual, inclusive na classe trabalhadora.
Yuri explica que a inclusão de pastas específicas sobre o tema em alguns sindicatos já pode ser considerada um avanço, visto que essa inserção foi um processo lento e que ainda está em processo de construção. “A CUT, enquanto entidade sindical, deve incentivar seus sindicatos a levantarem a bandeira de luta não apenas contra a homofobia, mas também contra o machismo, racismo e todo tipo de preconceito. Nosso maior desafio é fazer com que o movimento sindical entenda a pluralidade do conjunto da classe trabalhadora; formada por homens, mulheres, gays, lésbicas, pessoas de todos os gêneros. Independente da orientação sexual, todos trabalham e produzem as riquezas do nosso país e merecem representatividade, inclusive nos sindicatos. Caminhamos nos últimos anos, mas ainda temos muito o que avançar na construção de uma sociedade justa, igualitária, em que nenhum trabalhador seja discriminado por sua orientação sexual”, explica.
Durante o levantamento, feito pela CUT Brasília, observou-se o tabu que ainda permeia o tema e, também, a homofobia que se traveste em piadinhas que ficam ainda piores diante do cenário atual do nosso país. Em 2015, a Consultoria Santo Caos fez um estudo com mais de 230 pessoas. Deste grupo, 43% dos entrevistados afirmam ter sofrido discriminação por sua orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho. Outro estudo contemporâneo ao da Santo Caos, feito pela Elancers, mostrou que 38% das empresas brasileiras não contratariam pessoas LGBT para cargos de chefia e 7% não contratariam em hipótese alguma.
Quando se tratam de travestis ou transexuais, a situação é ainda pior. Cerca de 90% delas ainda se prostitui no país por não serem aceitas em entrevistas ou mesmo compreendidas em seu autorreconhecimento. Os dados são da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

 

De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), 445 LGBTs foram mortos em 2017, um aumento de 30% em relação ao ano anterior (343 vítimas). Matam-se mais homossexuais no Brasil do que em países onde há pena de morte contra LGBTs.
Desabafos e resistência

Tiago Neves, 29, é uma das poucas representações dos LGBTs nas direções sindicais das entidades filiadas à CUT Brasília. Há quatro anos atuando na direção do Sindicato dos Comerciários de Brasília (Contracs), conta que já sofreu preconceito dentro do movimento sindical devido sua orientação sexual. Tiago explica que, muitas vezes, o preconceito é velado, disfarçado de piadas e brincadeiras. “Se dentro dos sindicatos a discriminação é grande, imagina para os trabalhadores em comércio e tantos outros que sofrem diariamente com a intolerância. Os episódios de homofobia surgem basicamente da falta de informação. Mesmo que haja um diálogo e toda uma explicação por trás do conceito, muitos colegas de trabalho têm dificuldades em aceitar os LGBTs. Julgam por serem diferentes; muitos não são aceitos em oportunidades de trabalho, isso quando existe a liberdade de ser expressar, porque muitos não assumem no ambiente de trabalho por medo de retaliações”, desabafa.
Elbia Pires de Almeida, 45, é lésbica e conduz a secretaria de Assuntos de Raça e Sexualidade do Sindicato dos Professores (Sinpro-DF). A dirigente relata que também já sofreu discriminação dentro do movimento, através de piadas, desqualificação da temática e do trabalho. “Existe sim muito preconceito dentro dos sindicatos. Esse preconceito pode ser visto, inclusive, devido a falta de secretarias que pautem essa temática e de sindicalistas dispostos a assumirem a agenda. Esta é uma barreira que devemos romper. Somente com diálogo poderemos acabar com estigmatização do movimento LGBT nas lutas classistas”, explica.
“Não baixem suas cabeças diante de atitudes preconceituosas e discriminativas, denunciem sempre e busquem apoio. Seja no movimento social que pertença, sindicato ou nos movimentos LGBTs. Nosso desejo nesse dia de luta contra a homofobia é que tanto os que sofrem com essas atitudes fascistas quanto os que se indignam, somem-se a nós, que lutamos contra toda a forma de preconceito e discriminação, direitos e, principalmente, respeito à população LGBT”, alerta a também secretária de Assuntos de Raça e Sexualidade do Sinpro-DF, Letícia Vieira.
Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia

Hoje o mundo lembra o Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia, data na qual, em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças. Desde então, o 17 de maio virou símbolo da luta por direitos humanos e pela diversidade sexual, contra a violência e o preconceito.
A data foi criada em meio a um cenário em que atitudes homofóbicas e transfóbicas ainda estão profundamente arraigadas globalmente, expondo lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e intersex (LGBTI) de todas as idades a violações aos direitos humanos.