Em Ceilândia, professor usa banheiro para ensinar ciência e tornar aprendizagem mais divertida

Para estreitar a relação entre professor e aluno, um docente de Física do Instituto Federal de Brasília (IFB), do campus de Ceilândia, resolveu inovar: deu uma aula dentro do banheiro. A experiência surgiu a partir da necessidade de conhecer e adaptar a turma de primeiro ano do Ensino Médio Integrado ao Técnico em Eletrônico, que, mesmo novata, mostrou uma agitação com pedidos para tomar água e ir ao banheiro a todo momento.
O professor Pablo Diniz Batista uniu o útil ao agradável: a possibilidade de causar um estranhamento com uma aula dentro do banheiro e uma nova forma de aprendizagem. “Nós, professores, começamos a discutir o que podíamos fazer para que se pudesse parar com a inquietude dos alunos. Surgiram algumas ideias de regras, como colocar o limite de quantos alunos podiam sair por vez. Só que eu pensei o contrário: por que não fazemos do banheiro um local de aprendizagem?”, explica.
Toda a ideia veio na sexta-feira passada. Já na segunda-feira, ele colocou a proposta em prática com autorização da diretoria. Para compor o cenário, o profissional usou materiais recicláveis, como garrafas de refrigerante, madeira e isopor.

“Discutimos o conteúdo de Ciências da Natureza e como ele está ligado ao banheiro: a água, o chuveiro, a eletricidade”, Pablo Diniz Batista, professor.

“No fim de semana, percorri algumas regiões para tirar fotos de pichações, fiz experimentos relacionados à eletricidade estática, fenômenos de repulsão, atração, carga elétrica. E montei o espaço antes da aula, para eles não verem nada”, conta o professor. O material utilizado e as fotos de pichações urbanas foram pra causar espanto e estranhamento aos alunos.
Com o espaço pronto e a dinâmica definida, Pablo iniciou o plano na sala de aula. “Perguntei quem queria ir ao banheiro e liberava um grupo de cada vez. Uma ajudante segurava os alunos para eles não retornarem. Aí depois dizia ‘gente, o pessoal não voltou. Vão lá ver o que aconteceu’. No fim tinha uns dez alunos e eu escrevi no quadro que a aula seria no banheiro. Fui saindo e o restante veio atrás, desconfiado”, lembra.
Cidadania
Ao chegar ao toalete, Pablo deu uma aula não só de Física, mas de cidadania. “Apresentei o pessoal da limpeza, conversamos sobre a função dos funcionários, a organização, o que podemos fazer para preservar, discutimos a questão do trabalho, da dignidade”, afirma.
Os resultados foram imediatos. Já no segundo horário da aula, o professor conta que o conteúdo fluiu sem interrupções. “No banheiro eles interagiram da maneira deles. Na sala de aula, apresentei um vídeo que preparei no fim de semana e depois discutimos os experimentos. O interessante é que a segunda aula fluiu, coisa que não aconteceria se fossem duas aulas direto com conteúdo. Discutimos o conteúdo de Ciências da Natureza e como ele está ligado ao banheiro: a água, o chuveiro, a eletricidade”, detalha.
Criatividade e inovação devem ser constantes
Apesar da novidade, Pablo reconhece que nem todos os alunos se sentiram mais atraídos pelas matérias de Ciências da Natureza. “Teve uma aproximação maior, diminuiu a distância entre aluno e professor, como todos são novatos. Mas temos que ter essa criatividade constantemente”, afirma.
“Os professores discutem bastante, em nível nacional, inclusive. Muitos não acreditam mais no modelo conteudista de uma aula. O próprio IFB trabalha com projetos multidisciplinares, com a comunidade. E vamos continuar caminhando nessa direção. Só precisávamos mostrar aos alunos que a escola é diferente e vem dando certo em apostar num modelo em que eles podem aprender com eles mesmos. Tem que romper com o tradicional”, finaliza o professor.
Embora a aula tenha sido dada na segunda-feira, o banheiro segue intacto, com todos os materiais e explicações. A previsão é de que ele fique assim até que toda a instituição faça uma visita guiada. A ação vai servir de inspiração.
Alunos pedem mais
Há unanimidade entre os 40 alunos que participaram da performance: os docentes precisam investir em mais aulas fora do espaço tradicional. “A gente teve outra aula fora de sala, com a professora de Biologia. Acho que assim se aprende mais do que na sala, fica mais dinâmico”, resume o estudante Madison Pereira da Silva, de 15 anos.
Sua colega, Larissa Sales, 15, se assustou com a ideia de início. “Pensei que não caberiam todos dentro do banheiro”, pondera. Mas logo se convenceu de que o método funcionou para atrair os alunos. “Para mim, tenho mais facilidade de aprender quando vejo a pessoa fazendo do que quando o professor fica falando e falando, só na teoria. Foi superlegal”, defende.
O estudante José Antônio de Sousa Júnior, 16 anos, não tem medo de assumir que é um aluno que costuma pedir para ir ao banheiro e beber água durante as aulas. “Quando ele perguntou quem queria ir ao banheiro, fui o primeiro a levantar”, brinca. José alega ainda que, com a ação, ele passou a gostar de estudar circuito elétrico. Agora, ele espera que mais professores adotem aulas assim. “Ficou mais interessante”, conclui.
(do Jornal de Brasília)