Eleição 2014 requer ação permanente para barrar o conservadorismo

No Coletivo Nacional de Mulheres da CUT, debatedoras indicam reforma política como eixo central para aumentar a representação do povo e das mulheres

“O Brasil é, hoje, um País para o qual todo o mundo volta seus olhos. Não é à toa que a disputa eleitoral desse ano será sangrenta”, afirma Monica Valente, secretária de Relações Internacionais do PT. A fala foi feita durante a reunião do Coletivo Nacional de Mulheres da CUT, realizada nesta terça-feira (1), em São Paulo.
Para ela, os avanços nacionais e internacionais do Brasil fazem as disputas de poder no País serem mais acirradas, exigindo maior intervenção dos trabalhadores. “Precisamos fazer a disputa ideológica que há tempos temos deixado de lado”, ressalta.
Após abordar as reclamações sobre o pouco avanço na pauta trabalhista durante o governo Dilma – motivo apontado pelas militantes CUTistas como a maior dificuldade na defesa do governo – Monica destaca a necessidade de ação contra as forças conservadoras. “Eu sei das questões que a CUT tem com a Dilma, sobre o fim do fator previdenciário, a redução da jornada de trabalho. Defendo que o governo precisa aumentar o diálogo, seja com a CUT, seja com outros movimentos de esquerda. Mas não podemos nos esquecer de que lado estamos.”
Rosane Silva, secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, defendeu os avanços conquistados pelos brasileiros e questionou a afirmação de não haver ganhos para a classe trabalhadora. “Eu fico incomodada quando falam que a Dilma não fez nada para a classe trabalhadora. Isso é falso. Quem recebe bolsa-família não é da classe trabalhadora? Agricultores rurais com programas de incentivo não são da classe trabalhadora? Minha Casa Minha Vida não é para classe trabalhadora? Nós podemos falar que não avançamos na pauta trabalhista, mas não podemos dizer que a Dilma não fez nada para os trabalhadores”, defende.
Já a importância da CUT no apoio ao projeto social do atual governo e a necessidade de manter o diálogo com as estaduais e Confederações da Central foram pontos ressaltados por Maria Júlia Nogueira, secretária de Combate ao Racismo da CUT. “Não que isso signifique que não temos críticas”, destaca a dirigente. “Nós temos pautas dos trabalhadores que até hoje não tiveram nenhum retorno”, lembra. Para ela, a CUT não pode ser apenas cabo eleitoral. “Nós apoiamos, sim, o projeto em construção no País. Mas precisamos de retorno para as demandas dos trabalhadores”.
Avanço do conservadorismo
Maria Júlia lembra da falta de apoio de partidos aliados a uma reforma política no Brasil e afirma que a direita está em crescente rearticulação no País. “Veja a reedição da Marcha da Família com Deus, que há 50 anos foi a base civil para o golpe militar. Hoje não vemos conjuntura para um golpe militar nos mesmos moldes de 1964, mas quando vemos essa convocação, em pleno 2014, nos preocupamos”.
Para a dirigente, a evolução da direita conservadora não é apenas um caso isolado no Brasil, mas mundial. Monica Valente, que também é ex-vice-presidente da CUT Nacional e foi primeira mulher a concorrer à presidência da Central, em 2000, apontou outros casos internacionais e foi taxativa ao destacar a atenção necessária em 2014. “Ganhar eleição não basta. É preciso ter muita atenção com setores conservadores”. Ela lembrou do que ocorreu em países como El Salvador, no qual a oposição venceu por 6 mil votos após pagar passagens de eleitores opositores que viviam fora do País.
Reforma do sistema político
A reforma política é a melhor forma de combater o conservadorismo brasileiro e deve ser bandeira prioritária dos movimentos sociais, segundo Rosane Silva. “Nós conseguimos avançar muito em várias pautas e, quando chega no Congresso, não aprovamos. O Congresso representa a elite e o capital desse país, e precisamos mudar essa estrutura”, afirma. “Além disso, precisamos politizar o debate que teremos no processo eleitoral, que promete ser difícil”, complementa.
Quando questionada sobre a necessidade de maior participação direta da sociedade na política, Monica Valente, secretária do PT, afirmou que as duas formas de democracia não se anulam. “Nós temos, sim, que incentivar a democracia participativa, mas não em detrimento da democracia representativa. Ainda não há coisa melhor que a democracia representativa. O que nós precisamos é ter reforma política para aumentar a representação do povo no congresso. As pessoas votam em outros partidos e, se votam, não podemos ter a posição aristocrática de achar que são eleitores ignorantes. Temos que respeitar e garantir mecanismos para disputarmos esses votos em condição de igualdade”.
De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o percentual de mulheres no Congresso Nacional não atinge 10%, mesmo que estas representem mais de 50% do eleitorado.
Maria Júlia define a estrutura política do país. “Primeiro ela é oligárquica. Mas também é racista, machista e profundamente excludente”, afirma. Para a dirigente da CUT, os setores conservadores vem tentando atrapalhar com ajuda da mídia a realização do Plebiscito Popular por uma Constituinte Soberana e Exclusiva do Sistema Político, mas movimentos sociais e sindicais continuam firmes na campanha.  O Plebiscito está marcado para o período de 1 a 7 de setembro.
Fátima Sandalhel, representante do Comitê Nacional do Plebiscito Popular, explica que o processo de mobilização e conscientização é fundamental para o sucesso desta campanha, como foi anteriormente no Plebiscito contra a adesão do governo brasileiro a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). “Estiveram envolvidos mais de 150 mil ativistas, foram instalados comitês em todas as regiões. Um processo que gerou capilaridade e fluiu na sociedade”, relata.
“No Plebiscito da Reforma Política temos ideias complexas que nós devemos traduzir para uma linguagem popular no sentindo de envolver trabalhadores, mulheres, a sociedade em geral. Construir este trabalho para além de nossas estruturas”, disse Fátima, que também ressaltou o caráter pedagógico do Plebiscito.
Não mereço ser estuprada
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado na última semana, na qual 58,8% dos brasileiros manifestaram concordância total ou parcial com a frase “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”, também foi tema de discussão no coletivo.
Maria Júlia afirma que o resultado demonstra como é o imaginário popular sobre a mulher. “Para os entrevistados, mulher de bem é a que fica com família, que não usa roupa curta, que não se relaciona com quem quiser. E as que usam roupas mais curtas, é porque querem ser estupradas. Isso é gravíssimo.” Para Rosane Bertotti, secretária de Comunicação da CUT e mediadora do primeiro debate, essa pesquisa mostra que avançamos em várias partes da política, mas ainda temos muito a caminhar.
Para Monica Valente, o conservadorismo não piorou, apenas se mostrou como realmente é. “Nas manifestações do ano passado, por exemplo, havia quem gritava ‘Povo unido não precisa de partido’, um slogan fascista.” Rosane Silva concorda com a visão de Monica e, segundo ela,  o resultado tem também um ponto positivo. “O Ipea nos prova que finalmente o instituto está dando visibilidade à opinião da sociedade brasileira. Está mostrando que são necessárias políticas públicas para combater a opressão existente na sociedade brasileira”, afirma a dirigente.
O Estado brasileiro consolidou-se sob a égide do capital, com evidentes privilégios a burguesia, aos homens e aos brancos.
A luta dos movimentos de esquerda e a eleição de governos progressistas não foram suficientes para modificar esta correlação de forças. Porém, conforme ressalta Maria Julia Monteiro, representante da Marcha Mundial de Mulheres, existe uma margem de manobra para se fazer a luta por mudanças.
Esta perspectiva possibilitou a consolidação de importantes avanços no último período, como a criação da Secretária de Políticas para as Mulheres e a Lei Maria da Penha.
À margem destas conquistas, a desigualdade no mercado do trabalho permanece como um problema estrutural na sociedade brasileira. Apesar de possuírem maior escolaridade, as mulheres recebem salários menores em relação aos homens, sem contar a taxa de desemprego que é maior.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE mostram que as mulheres são maioria nas ocupações precárias e não remuneradas. Neste cenário, as maiores vítimas são as mais pobres e negras, com baixa escolaridade e com baixa qualificação profissional.
A pesquisa também indicou que as mulheres trabalham menos horas no mercado de trabalho formal, mas fazem o dobro da jornada dos homens nos afazeres domésticos. “São problemas que estão na raiz do estado burguês, patriarcal, com base na submissão das mulheres e divisão sexual do trabalho”, assinala Maria Julia Monteiro. “O caminho para modificar esta configuração passa pela despatriarcalização do estado, construindo condições para diminuir e atenuar essa desigualdade abissal”, complementa.

Escrito por: Henri Chevalier e William Pedreira