Editorial: Jornada de trabalho sob ataque

A declaração do presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Robson Braga de Andrade, após reunião com o presidente interino, Michel Temer, na sexta-feira (8/7), de que o Brasil precisa ampliar a jornada de trabalho para 80 horas, seguindo o exemplo da França, foi desmentida pela mídia logo após o industrial se manifestar à imprensa.
Ele disse que o governo ilegítimo deve promover “medidas muito duras” na Previdência Social e nas leis trabalhistas para equilibrar as contas públicas. E, para se justificar, citou o caso da França como exemplo, dizendo que lá é permitido trabalhar até 80 horas semanais. Ele disse à mídia que a França tem 36 horas de jornada de trabalho e passou, agora, com a nova legislação trabalhista, à possibilidade de até 80 horas de trabalho semanal e até 12 horas diárias de trabalho.
E comparou com Brasil: “Nós, aqui no Brasil, temos 44 horas de trabalho semanais. As centrais sindicais tentam passar esse número para 40. A França, que tem 36 horas, passou, agora, para 80, a possibilidade de até 80 horas de trabalho semanal e até 12 horas diárias de trabalho”, disse o Robson Braga de Andrade. Na mesma entrevista à imprensa, segundo a Folha de S. Paulo e a Agência Brasil, ele disse ser contra o aumento dos impostos como medida para equilibrar as contas públicas.
Mas o problema é que o presidente da CNI mentiu. A própria mídia foi atrás e, ao checar a informação, descobriu que a declaração de Robson Andrade era imprecisa. Verificou-se que a nova legislação trabalhista francesa, contra a qual houve grandes enfrentamentos e resistência da classe trabalhadora francesa, estabelece e mantém as 35 horas semanais normais — e não 36. Descobriu também que a nova lei trabalhista francesa estipula, apenas em casos de emergência e após negociação com sindicato, horas extras que poderão chegar às tais 12 horas diárias (oito horas, com quatro horas extras pagas em cinco dias da semana; isto é, 60 horas semanais).
Ao consultar a nova legislação trabalhista francesa e o site do governo francês, a mídia também observou que, caso contrário, ou seja, caso não haja necessidade de horas extras, prevalece e continua valendo o máximo de 10 horas (oito horas, com, no máximo, duas horas extras, no mesmo período). A atual legislação brasileira segue princípio semelhante e a soma dessas horas também.
A nova legislação francesa reafirma ainda que, “na mesma semana, a duração máxima do trabalho semanal é de 48 horas” e que “o tempo de trabalho semanal calculado ao longo de 12 semanas consecutivas não deve exceder 48 horas”, a não ser em casos excepcionais previstos na lei. José Carlos de Carvalho Baboin, mestre em direito do trabalho pela Sorbonne e pesquisador do tema na Universidade de São Paulo (USP), disse ao site “Aos Fatos” que a jornada máxima a ser permitida passa a 60 horas semanais, porém essas horas extras são exceções previstas em decretos e aplicáveis apenas em circunstâncias excepcionais.
“São casos extremos nos quais o governo francês vai permitir 12 horas semanais. Por exemplo: acontece uma grande nevasca e a empresa responsável por limpar as estradas cheias de neve precisa que os trabalhos excedam as 10 horas. Ou desabastecimento de algum remédio ou em caso de surto epidêmico”, explica. E continua: “Essas 60 horas não podem ser usadas por uma empresa que fechou um contrato com um cliente e precisa aumentar a produção, por exemplo”.
O site informa que isso significa que, para demandar essa jornada de 60 horas, o empregador terá de ter autorização de algum gestor responsável pela inspeção do trabalho, o qual poderá conceder essa permissão com base em condições determinadas pelo Conselho de Estado da França e terá de pagar pelas horas extras. Ou seja, a remuneração dessas horas não está embutida no salário mensal. O que a CNI quer discutir é a ampliação da jornada de horário de trabalho sem aumentar o salário.
Apesar das mentiras, as declarações do presidente da CNI nos alertam para mais uma retirada de direitos: a jornada de trabalho. No Brasil, a Central Única de Trabalhadores (CUT) luta, há décadas, para instituir a jornada de 40 horas semanais e acabar definitivamente com as 44 horas a que a classe trabalhadora está submetida a cumprir ainda hoje.
Importante lembrar que o governo ilegítimo de Michel Temer tomou de assalto o Poder Executivo para executar o plano neoliberal de subtração de direitos essenciais, sociais, trabalhistas, patrimoniais etc. Com base no programa de governo do PMDB denominado “Ponte para o Futuro”, o governo ilegítimo trabalha para pôr fim à política de Estado de direitos e impõe um retrocesso sem precedentes, encabeçado pelo principal partido político derrotado sucessivamente nas eleições democráticas desde o início dos anos 2000, o PSDB.
Numa linguagem comercial, podemos dizer que os ataques são realizados a granel ou por atacado. Um plano de mercantilização que remete o país às relações escravagistas de trabalho do século XIX. É a granel porque está articulado para atuar, localmente, por meio de projetos de lei apresentados nas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores; e é por atacado, porque atua nacionalmente, por meio do Congresso Nacional.
Um exemplo ilustrativo desse grande projeto de desconstrução do Estado de direitos é o ataque a granel e por atacado à educação pública por meio dos projetos “Escola sem Partido” e “Organizações Sociais”. Não é um projeto isolado que, às vezes, está ligado a políticos fundamentalistas que querem instituir autoritariamente um modelo de família, e sim um grande e articulado plano de privatização e desconstrução do direito ao conhecimento, ao pensamento crítico, da pesquisa científica no país e destruição completa da concepção de educação pública, gratuita, laica, de qualidade, socialmente referenciada, livre, dentre outros atributos.
Escola sem Partido e Organizações Sociais são o mesmo projeto, desmembrado, integrado, para privatizar a educação pública. Ainda considerando a linguagem comercial, o setor da educação já está sendo atacado a granel em várias unidades da Federação em que o PSDB e outros partidos de concepção liberal, como o PSB, adotaram as Organizações Sociais (OS) como mecanismo de gestão e de privatização.
É o caso de Goiás, com o governo Marconi Perillo (PSDB); São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB); Pernambuco, Paulo Câmara (PSB); Paraná, Beto Richa (PSDB); entre outros. No Distrito Federal, o governo Rodrigo Rollemberg (PSB) também atua para entregar, primeiramente, os dois setores, saúde e educação, às OS.
Todavia, os ataques não se encerram nesses dois setores. Além do nosso patrimônio biológico e mineral, como a  privatização da água e a entrega do pré-sal, a meta do governo golpista inclui os projetos dos empresários reunidos, sobretudo, no setor industrial: a retirada de todos os direitos trabalhistas, a começar pela eliminação da aposentadoria e ampliação da jornada de trabalho, dois itens essenciais para desmoronar os demais direitos.