Dia da Consciência Negra: os desafios do Brasil para superar o racismo

As pesquisas sobre racismo são unânimes em afirmar que, no Brasil, não há democracia racial e que os temas da desigualdade social e discriminação por causa da cor da pele estão diretamente ligados à educação, à cultura e à formação pessoal e profissional e a qualquer outro setor no qual não haja valorização do protagonismo e reconhecimento da importância do negro africano na construção do Brasil.
Gilberto Freyre desistiu, no fim de sua carreira, da tese de que havia democracia racial no país porque descobriu que não há esse tipo de sentimento na sociedade brasileira. O que há, de fato, é uma dívida histórica que prevalece ano após ano, maculando ainda mais a história do Brasil. As estatísticas do Mapa da Violência 2014 sobre mortes de jovens por assassinato no país, por exemplo, reafirmam que, paralelamente à implantação de políticas afirmativas, há, no Brasil, um cruel extermínio da juventude negra.
Outro dado recente e chocante que joga por terra de uma vez por todas e põe abaixo o mito da chamada democracia racial está publicado no Mapa da Violência 2015. O levantamento revela que as mulheres negras são as mais vulneráveis e que, entre elas, a vitimização cresceu 54,2%, entre 2003 e 2013, enquanto o homicídio de mulheres brancas caiu 9,8%.
Elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), o Mapa da Violência 2015 dá conta de que, entre 1980 e 2013, o número de homicídios de mulheres aumentou 252%, passando de 1.353 assassinatos para 4.762 casos. E que as mortes têm cor e local: mais de 55% dos crimes ocorrem dentro de casa e 66,7% deles são contra negras.
Outros números e índices são tão dramáticos quanto os dos assassinatos porque declaram a morte em vida da maior parte da população brasileira e comprovam a mais completa falta de democracia racial no país. O Censo do IBGE de 2010 indica que a população preta e parda, que corresponde a 50,7% da população brasileira, ultrapassou os 101 milhões de habitantes. Neste 20 de novembro, Dia da Consciência negra, a população do Brasil ultrapassou dos 205 milhões de habitantes.
O Brasil é gigante em quase tudo. Todavia, suas dimensões continentais não conseguiram esconder por tanto tempo as dívidas com seu povo, sobretudo com a população negra. Com o início da escravidão de negros africanos para as Américas – maior tráfico de pessoas da história da humanidade (entre os séculos XVI ao XIX) –, o Brasil passou a integrar o grupo de nações ocidentais com uma das maiores dívidas históricas com população negra. E para piorar essa situação, mesmo após a proibição, por meio de legislação, nunca conseguiu zerar essa dívida.
A abolição da escravatura não significou o início do fim do analfabetismo e menos ainda do racismo. Não houve abolição do extermínio da juventude negra, da segregação em guetos (favelas), da expulsão desse grupo populacional da educação e, consequentemente, das melhores vagas do mercado de trabalho.
Por muitos anos corria a boca miúda e informalmente no seio da sociedade branca um dos maiores absurdos propagados pelas teorias racistas e nazistas de que os negros e as negras não podiam integrar as escolas e muito menos as universidades porque não tinham capacidade intelectual para desenvolver pesquisas.
Apesar de alguns avanços no sentido de minimizar a situação, até hoje o Brasil acumula anos nessa dívida histórica que aumenta em razão da falta de investimento em políticas que visem a combater as desigualdades sociais. O país ainda tem muito chão a percorrer no sentido de exterminar o racismo e suas consequências no mercado de trabalho e em todos os setores da vida em sociedade para superar as discriminações relacionadas à cor da pele e à classe social.
Para se ter uma ideia do tamanho dessa dívida e dos desafios a superar para exterminar o racismo, a primeira Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver ocorreu no dia 18 de novembro de 2015: mais de 120 anos após sanção da Lei Áurea – que pretendeu declarar para o mundo, sobretudo para os países hegemônicos europeus que iniciavam sua trajetória pelo liberalismo econômico, o fim da escravatura.
Os desafios continuam. Um dos principais passos para acabar com o racismo brasileiro é fortalecer a educação pública e gratuita, de qualidade socialmente referenciada. Na avaliação da diretoria colegiada do Sinpro-DF, a execução de uma educação antirracista e o trabalho pedagógico sobre preconceito racial, discriminação e racismo em sala de aula continua sendo um desafio.
Apesar da sanção da Lei nº 10.639/2003 (que obriga a rede de ensino a lecionar a história e cultura afro-brasileira) e, posteriormente, a Lei nº 11.645/2008 (sobre a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas), bem como de todos os avanços e pesquisas nesse campo, percebe-se que a sociedade mudando lentamente.
Em 2014, a sanção da Lei 12.990, que reserva 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para a população negra, é mais uma iniciativa do governo para quitar um pouco dessa dívida. Na opinião da diretoria colegiada do Sinpro-DF, essa lei constitui outro passo muito importante para que a população negra chegue às repartições públicas e se empodere desses espaços e, a partir de uma mudança no mercado de trabalho, no futuro será possível observar o reflexo dessa iniciativa na sociedade.
Há anos o Sinpro-DF reconhece a dívida, empreende a luta e dedica recursos financeiros e ações políticas à questão racial. Para isso, há vários anos instituiu a Secretaria de Raça e Sexualidade no Sindicato.
“O nosso desafio na educação é cada vez mais combater atitudes racistas. Divulgar não só as leis, mas contar a verdadeira história dos povos que eram livres e que chegaram aqui na condição de escravizados. Desconstruir termos como escravidão, escravos e uma suposta situação de passividade por esse povo é necessário que a gente debata em sala de aula que a história não foi esta”, afirma Wiviane Farkas, coordenadora da Secretaria para Assuntos de Raça e Sexualidade do Sinpro-DF.
A sindicalista destaca a resistência dos quilombos, como o Quilombo dos Palmares, como um movimento de enfrentamento importante, “como foi feito nesta semana, durante a primeira Marcha das Mulheres Negras, em que por meio do enfrentamento, de políticas, de visibilidade da população negra, é que a gente pode realmente mudar a sociedade”.
No entendimento da diretoria, “as atitudes e as leis são importantes, porém, elas não deveriam ficar apenas no campo da legislação, e sim na prática, no dia a dia, porque, a partir do momento em que as pessoas se apropriam dessa concepção e muda sua formação e maneira de agir e de pensar, essa mudança estrutural que acaba por ocorrer também na sociedade”.
A coordenadora de Raça e Sexualidade do Sinpro-DF afirma que, na opinião da diretoria, “há importantes instrumentos na educação, como livros, filmes, documentários e materiais didáticos que podem ser usados no dia a dia dos educandos para que reflita numa educação diferenciada: uma educação inclusiva e de combate ao racismo. Esse continua sendo o nosso maior desafio: criar uma sociedade igualitária, mais igual e com a extinção de todo tipo de discriminação”, finaliza.