Desrespeito às mulheres no edital para concurso de bombeiros no DF

Na última quarta-feira (27), a imprensa noticiou que um dos exames exigidos para o concurso do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal era o laudo do Papanicolau (cientificamente conhecido como colpocitopatologia oncótica) ou comprovar que as candidatas não tiveram o hímen rompido, sendo que não havia exigências semelhantes para homens.
Esta exigência é machista, absurda, fere a intimidade, a dignidade e a isonomia da candidata perante os demais. Em entrevista ao próprio jornal, membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF Max Kolbe, afirmou que a exigência transcende o limite da razoabilidade. “Ela fomenta a instrumentalização da distinção de gêneros. Ora, se é verdade que uma de suas razões é investigar se a mulher possui ou não HPV, porque não se exigiu os exames correlatos aos homens?”, defende.
Ao G1, o advogado Fábio Ximenes considerou a exigência uma atrocidade. “Fere o direito à intimidade, sim, da candidata. Viola diversos princípios administrativos e constitucionais, como o princípio da isonomia, fere o princípio constitucional da discriminação, porque não pode haver discriminação de nenhum gênero, nem para homem, nem para mulher. Já aconteceu outras vezes e é totalmente imoral. É inconstitucional o edital cobrar esse tipo de conduta da candidata. Se a gente for apreciar se isso [os resultados] seria relevante para o cargo, não é. Não impede o exercício de cargo de bombeiro ou policial ou qualquer cargo.  Isso não tem relação nenhuma com as atribuições do cargo de bombeiro. Isso já é explicitamente antiético. A exclusão de candidatos por esse tipo de conduta seria totalmente contra a Constituição”, apontou.
No dia seguinte, a Secretaria de Segurança Pública do Governo de Brasília recuou e afirmou que vai retirar a exigência dos exames ginecológicos invasivos. Em nota para a imprensa, a Secretaria afirmou que “compreendemos a cautela da instituição em relação à saúde das candidatas. No entanto, consideramos a medida preventiva excessiva e, portanto, desnecessário constar em um edital. Essa nossa recomendação já foi acatada pelo Corpo de Bombeiros no edital atual”.
Abaixo, segue a matéria do Correio Braziliense:
Quem der uma boa lida em ao menos um dos seis editais do concurso público do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) deve não ter notado. De fato, se você não for um especialista em saúde será difícil saber qual o significado do termo “colpocitopatologia oncótica” ou mesmo ter deixado passar a curiosidade e fazer aquela pesquisa rápida no Google em meio a tantas exigências da corporação> Não é para menos: a seleção exige que os candidatos não se enquadrem em nada menos que 47 situações incapacitantes para se tornar bombeiro, além de os submeter a 26 exames complementares e quatro toxicológicos, sem falar na avaliação psicológica e nos testes físicos.
Pois bem. Colpocitopatologia oncótica foi o termo escolhido pelos bombeiros para se referirem ao papanicolau, um dos 26 exames complementares exigidos no item 11.2.3 dos regulamentos do novo concurso. Termos científicos à parte, nada mais é do que o “exame ginecológico de citologia cervical realizado como prevenção ao câncer do colo do útero e HPV” – ta lá no Google, para qualquer um entender. Trata-se de um exame de extrema importância para a saúde da mulher, mas invasivo, ainda mais quando se torna exigência para participação de um concurso público.
Porém, nem todas as candidatas são obrigadas a fazê-lo. Para melhorar, as virgens, ou melhor, “a candidata que possuir hímen íntegro”, como consta no edital, estão dispensadas da obrigatoriedade do exame desde que apresentem atestado de virgindade (ou “da condição”), com assinatura, carimbo e CRM do médico ginecologista que o emitiu.
Outro detalhe, que também poderia passar despercebido, é que os editais não exigem exame similar aos homens, para detectar câncer na próstata ou HPV, por exemplo.
Não é a primeira vez que o papanicolau e a prova de virgindade são cobrados apenas de mulheres em concursos públicos. Editais do governo de São Paulo costumam trazer a obrigatoriedade, já questionada pela Defensoria do estado. E, em termos de requisitos “peculiares”, alguns concursos militares também têm histórico. Como o concurso da Polícia Militar do Acre, que não admitia candidatos com cicatriz “antiestética” e testículo único, ou a Marinha que proibia casados, pais e grávidas de ingressarem na Escola Naval.
Inconstitucional
Para o consultor jurídico e membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da Ordem dos AdvogadosBrasil no DF (OAB/DF) Max Kolbe, a exigência transcende o limite do absurdo e da razoabilidade. “Além de não haver previsão legal, é inconstitucional por ofensa aos princípios da legalidade, isonomia, intimidade e dignidade da pessoa humana. Além do mais, fomenta a instrumentalização da distinção de gêneros. Ora, se é verdade que uma de suas razões é investigar se a mulher possui ou não HPV, porque não se exigiu os exames correlatos aos homens?”, defende. Kolbe acredita ainda que o edital deve ser objeto de investigação do MPDFT.
Segundo o CBM/DF, “a apresentação de exames e realização de testes físicos se justifica pela necessidade dos candidatos gozarem de boa saúde para o exercício da função bombeiro-militar. O exame papanicolau trata-se de um exame preventivo indicado para mulheres no período compreendido entre o início da vida sexual/fértil ao início da menopausa. A não apresentação do referido exame, no contexto das exigências do certame, será suprida pela apresentação do exame que atesta a virgindade da candidata. Sobre o exame de próstata, informamos que se trata de um exame preventivo indicado aos homens a partir dos 40 anos de idade, idade superior ao limite de idade para ingresso nos Quadros da Corporação. Vale ressaltar que são exigidos outros exames aos candidatos, objetivando atestar a sua boa condição de saúde”.
Veja outras exigências polêmicas do novo concurso dos Bombeiros do DF