Dentro dos muros da escola

Os apelidos maldosos e os xingamentos disfarçados de brincadeira quase provocaram a saída de Sara da Costa Oliveira, 11 anos, do Centro de Ensino Fundamental 3, na Asa Sul. A lista de termos pejorativos usados para descrever o físico da menina era extensa. “Alguns colegas me chamavam de gordinha, baleia assassina, canhão e outros nomes. Eu me sentia muito ofendida e ficava magoada. Cheguei a pensar em sair do colégio e me afastar”, lembra a garota. A menina também enfrentou ameaças e violência psicológica por parte dos colegas do 5º ano. “Para piorar, eu era ameaçada pelos meninos e, se contasse aos professores, eles diziam que iam me bater. As piores horas eram a chegada à escola e a saída, quando eu ficava com medo de que isso acontecesse”, descreve.
A situação vivida pela estudante é um caso típico de bullying — termo criado na Noruega na década de 1980 e que significa intimidar, ameaçar — que se popularizou nos últimos anos. Pesquisas apontam que, entre os meninos do 9º ano do ensino fundamental no DF, 32% sofrem com as atitudes. No Brasil, as ofensas são 6% menores, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Especialistas acreditam que o caminho é o diálogo, a capacitação dos professores e o envolvimento da família com a escola. O primeiro passo é não esconder o problema. “Um verdadeiro educador leva a discussão para a sala de aula”, acredita o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Walter Ude. “A escola suspende, expulsa, pune, quando, na verdade, deveria discutir o que é amizade”, completa.
No CEF 3, a forma de trazer o assunto à tona foi por meio da escrita e de dinâmicas de grupo. “ O bullying pode ser motivado pela tentativa de se manter um status, ser o popular ou o brigão. O que queremos mostrar é que isso não existe”, explica a diretora do CEF 3, Sheila Cristina Moreira Santana.
Durante o projeto de combate ao bullying, os alunos leram o texto Gentil e cruel agressão como tarefa de casa. Eles discutiram a questão com os pais e, em sala, escreveram sobre as impressões provocadas pelo tema. Após a reflexão e a exposição, trabalhou-se a diversidade de raças, culturas, hábitos e comidas típicas no Brasil. “Percebemos uma melhoria na convivência e a diminuição de brigas entre colegas. Nossa preocupação foi, então, mostrar que as diferenças são comuns e interessantes”, defendeu a gestora.
Reconhecer-se no lugar do outro foi fundamental para a mudança de comportamento de Wilian Barbosa Lopes, 12 anos. “Já pratiquei bullying. Chamei um garoto de buldogue e outro de palito. Não pensei que poderia ofender alguém”, disse o estudante do 5º ano. No exercício aplicado pelo estabelecimento de ensino, ele descobriu que os outros se sentiam mal com algumas brincadeiras: “Agora, eu não os chamo mais dessa forma, e estamos mais próximos. Aprendi que devo respeitá-los”.
Nas escolas da rede pública do DF, a orientação é que o docente trabalhe temas de discriminação, como o preconceito contra a mulher e o homossexual, o racismo, a desmistificação dos padrões de beleza da sociedade. “São dezenas de microviolências que ocorrem todos os dias”, resumiu o coordenador de Educação em Direitos Humanos da Secretaria de Educação do DF, Mauro Gleisson Evangelista.
Ele informa que está em andamento a criação do Plano de Convivência Escolar. “Pretendemos realizar atos de formação com os professores, discutir as relações no ambiente escolar e ajudar a identificar problemas com os alunos. Afinal, de que adianta aprender a teoria de Pitágoras, se o aluno não sabe lidar com o próprio colega?”, lembrou Evangelista.
Palavra de especialista – Efeitos sociais e psíquicos
“Muitas vezes, o bullying é banalizado como se fosse apenas uma brincadeira. Porém, ele provoca efeitos psíquicos e sociais para quem o sofre. Uma reincidência de situações vexatórias ou o apontamento de determinadas características de modo pejorativo têm consequências graves. A criança pode internalizar o desvalor. Em alguns casos, compromete as relações pessoais, o desempenho escolar e provoca depressão. Outros alunos podem temer se relacionar com quem é objeto de bullying por acreditar que também serão alvo de chacota. Para quem pratica, uma intervenção pedagógica é necessária. A escola também é um lugar para aprender a conviver com as diferenças e praticar o comportamento cidadão.”
 
 
No filme Em um mundo melhor, de Susanne Bier, um médico intercala o trabalho em um campo de refugiados na África com as visitas à família na Dinamarca. Ele tem dois filhos, Marianne e Elias. O menino sofre bullying na escola. Por ter dentes grandes, chamam-no de Rato (foto, D). Os autores da agressão esvaziam o pneu da bicicleta do garoto e o agridem. Ele nunca reage, tem medo dos mais fortes e é tímido. Elias conhece Christian, que perdeu a mãe e acaba de chegar à pacata cidade. A partir daí, os dois bolam um plano de vingança contra os opressores. A produção, de 2010, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro e a 68ª edição do Globo de Ouro, em Los Angeles.
 
Fonte: Correio Braziliense