"Não há democracia sem uma mídia plural e diversa", diz Venício A. Lima

Debate sobre “O poder da mídia” no Teatro dos Bancários em 28/9/17

“Não há democracia sem uma mídia plural e diversa”, assegurou Venício A. Lima, professor aposentado de comunicação social da Universidade de Brasília (UnB), na manhã dessa quinta-feira (28), durante o debate intitulado “O poder da mídia”. A atividade foi realizada no Teatro dos Bancários pelas Secretarias de Formação do Sinpro-DF e Sindicato dos Bancários.
“O debate reforçou a importância, a ingerência e o papel da mídia tradicional, comprometida com a classe dominante e a manutenção da estrutura política e econômica desigual, no Brasil. Venício ressaltou que, geralmente, essa interferência da mídia nos rumos da história do país e no destino de seu povo passa despercebida e nem sequer é relatada nos livros de história”, comenta Vilmara Pereira do Carmo, coordenadora da Secretaria para Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras do Sinpro-DF.
O debate, segundo ela, trouxe alguns desafios, como a relação entre a mídia tradicional e as novas mídias. “Enquanto professoras que somos temos de entender como a juventude se relaciona com as mídias sociais, na sua busca de informações e qual é o papel das novas mídias (internet e redes sociais) na formação dessa gurizada”, afirma.
Para Juscimeire Barbosa, diretora da Secretaria para Assuntos de Raça e Sexualidade do Sinpro-DF, a escola precisa debater a mídia urgentemente. “Quando se fala em poder da mídia, estamos falando de como a mídia opera na sociedade, de sua capacidade de formar opinião, condição necessária para atingir o consentimento do povo para o funcionamento de um governo”, explica a diretora.
Ela observa que, quando se fala em mídia, “estamos falando do monopólio das informações e dos meios de comunicação que chega ao ponto de furtar a identidade de todos e de tudo, como, por exemplo, a identidade das TVs afiliadas, que abandonam suas características regionais e passam a projetar o pensamento da grande rede a que estão vinculadas”, criticou.
Jucimeire destacou também a observação do professor Venício de que os artigos constitucionais relacionados à comunicação social não foram regulamentados até hoje, quase 30 anos após a Constituição de 1988 ser promulgada, por causa da força do capital, que impede que se faça cumprir o que está previsto na lei.
As diretoras do Sinpro-DF Vilmara e Jucimeire acreditam que um dos papeis do magistério público em sua atuação nas escolas é também o de “fortalecer o debate sobre a democratização da mídia em nosso fazer pedagógico, uma vez que nossos livros didáticos, sobretudo os de história, ignoram, e muitas vezes por completo, o protagonismo incisivo e definitivo da mídia no processo histórico de nosso país e nas condições de vidas do povo. É necessário mostrar que a mídia é elemento fundamental e ator político no Brasil e mostrar a necessidade da liberdade de expressão e da diversificação das programações de TVs nessa democratização”.
Para elas, além de pensar uma mídia democrática, a população brasileira precisa exigir o cumprimento da lei maior e investir em sua diversificação. “Pensar em mídia é pensar em diversificação da informação; é estabelecer uma verdadeira liberdade de pensamento no país em a monopolização e a manipulação das informações. Por fim, não há uma democracia sem uma mídia plural e diversa e, para isso, a democratização se faz urgente e necessária”.
O professor Venício, por sua vez, fez uma exposição da situação da mídia hegemônica no Brasil e explicou como ela interfere negativamente na vida da população e modifica os rumos do país para atender aos interesses do grande capital. E esclarece que, apesar de haver uma mídia hegemônica que centraliza e apresenta o que a ela interessa, a “imprensa tem a responsabilidade social de proteger o direito dos indivíduos” e que esse é um dos principais papeis da mídia, segundo regras constitucionais.
“Há tempos a imprensa tem atuado como quarto poder e isso passa despercebido nos livros de história do Brasil”, afirma o professor. Ele explica que essa atuação é típica de um poder informal, que opera como agente importante, mas sem ter sido eleito pelo povo. Um quarto poder que passa a ser fundamental para a fomentação da democracia, assumindo papel de fiscal os outros três poderes”.,
Ele fez um relato dos estudos e histórico da mídia no mundo e no Brasil e disse que desde a década de 1940 do século XX, estudiosos apontavam algumas condições específicas que faziam com que a mídia se tornasse ainda mais poderosa. Entre elas, destaca-se a situação de monopólio. “Se você tiver uma única voz e nenhuma que se contraponha a essa voz existente, é quase impossível ter uma visão diferente do que é apresentado”, afirma.
O outro requisito determinante, segundo ele, é a canalização. “É difícil alterar crenças e comportamentos que estão arraigados na sociedade, mas, aliando o discurso e crenças, fica bem mais fácil de convencer as pessoas”, aponta. Já a terceira condição está ligada à suplementação das mensagens da comunicação com contatos pessoais e trabalho de base.
O professor destacou que, nas democracias liberais, essas condições são dispensáveis, já que a mídia atua por meio de um modelo propagandístico. “O sistema de comunicação é financiado por grandes anunciantes, que vão interferir no seu processo de produção. As fontes definidoras das notícias são as fontes oficiais. Há a existência de um inimigo externo comum, que condiciona a cobertura midiática, além de outros atores poderosos e privados. Assim, não é preciso que se tenha condições específicas para ter o funcionamento da mídia dentro da perspectiva de um consenso que priorize a pequena parcela dominante”, ressalta.
No Brasil, explica o professor, “o Estado atua como curador, pois delega à iniciativa privada, por meio de concessões, um papel que seria seu. Naturalizou-se a exploração dos serviços de comunicação às empresas privadas. O serviço já nasceu e se consolidou com viés privatista”, aponta. E esclareceu também o problema das concessões e como as empresas atuam para permanecerem “proprietárias” dessas concessões.
“As concessões foram se transformando em oligopólios multimídias, dominados por grupos familiares, muitas vezes, encabeçados por políticos em exercício do poder. Não há regulamentação dos princípios e normas que estão na Constituição e que poderiam alterar esse quadro. O fato de o Brasil não ter o controle da propriedade cruzada, culmina no monopólio da comunicação. Paralelo a isso, ter políticos como donos maiorais das empresas de comunicação cria uma imensurável distorção do processo democrático”, declarou.