CUT vai a Berlim discutir ampliação de direitos

Após exercer papel fundamental na eleição de um operário e da primeira mulher para a presidência da República, o movimento sindical brasileiro chega ao 3º Congresso Mundial da Confederação Sindical Internacional (CSI), em Berlim, na Alemanha, prestigiado.
Prova disso é que o próximo presidente da maior organização de trabalhadores no mundo deve ser o atual secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Felício. A escolha acontece durante reunião do Conselho Geral da entidade, logo após o término do encontro, que começa no próximo dia 18 e segue até 23 de maio
Também ex-presidente da CUT, Felício acredita que a CSI, confederação que representa 175 milhões de trabalhadores em todo o mundo por meio de 311 entidades filiadas, deve exercer um papel mais ativo e acompanhar de perto a aplicação das diretrizes construídas nos congressos.
Em entrevista ao Portal da CUT, ele fala ainda que o principal tema do encontro será a luta por direitos, ameaçados em diversos países no atual cenário de crise econômica.
A primeira pergunta que muitos trabalhadores devem fazer é como um congresso da CSI impacta na vida deles. De que forma as decisões chegam ao local de trabalho?
João Felício – Estamos num mundo globalizado, onde a resistência contra a retirada de direitos atinge todas as nações e ter uma entidade sindical mundial para articular essa luta é extremamente importante. A maior parte dos sindicatos de base estão diariamente em luta contra o patrão local, o governo local, e não em contato com o que acontece na França, Austrália, África. Da mesma maneira que o capital define seus interesses para além das fronteiras, é bom que o mundo do trabalho também tenha um mecanismo para fazer o enfrentamento, organizar uma pressão política junto à ONU (Organização das Nações Unidas), à OMC (Organização Mundial do Comércio), ao G20 (Grupo dos 20 países mais ricos) ou à OIT (Organização Internacional do Trabalho). Uma organização sindical mundial faz articulações políticas de abrangência internacional, mas que dialogam com muitas lutas locais. E o sonho nosso é que tenhamos uma única organização sindical mundial.
Qual será o grande tema desse congresso?
Felício – A luta por direitos. Estamos vivendo uma fase no mundo em que os direitos estão sendo brutalmente atacados. Há forte aliança dos empresários com muitos governos e o Judiciário, com apoio forte da imprensa local, para fazer reformas trabalhistas e enfraquecer o direito de negociação coletiva e a capacidade de resistência dos sindicatos. É o que vem ocorrendo especialmente na Espanha, Itália e Grécia. A manutenção de direitos e a ampliação dos sindicatos são temas especialmente importantes.
Esse encontro da CSI também debaterá o desenvolvimento sustentável. Como tratar de um ponto que se torna delicado especialmente num momento de crise em que as nações precisam crescer?
Felício – O desafio é justamente equilibrar a pauta de reivindicação trabalhista para melhorar as condições de vida com um projeto de sociedade que respeite o meio ambiente e preserve os recurso naturais. Não é o modelo que temos hoje, baseado no automóvel, no ataque à natureza. O desenvolvimento sustentável é a combinação de uma sociedade com direitos plenos, mais justa, igualitária e o respeito ao meio ambiente. Por mais que você tenha divergência ideológica entre as centrais, há questões que unificam e essa é uma delas.
A concentração de renda também é uma pauta do sindicalismo internacional?
Felício –Com certeza, porque, se você olhar para todos os países do mundo, inclusive para o Brasil, verá que aumentou muito o número de ricos e consideravelmente o número de pobres. A fome diminuiu, mas o crescimento econômico favoreceu muito mais os ricos. Para reverter isso é preciso fazer a taxação das grandes fortunas, da riqueza, fazer reformas tributárias e defenderemos isso nesse congresso. Mesmo depois da crise, provocada pelo setor financeiro, os ricos aumentaram a renda, porque foram socorridos pelo Estado. Mas o Estado não é um ente abstrato, quem o sustenta somos nós e os governos tiraram recursos da saúde, educação, segurança para colocar no sistema financeiro. Quem paga essa conta é a classe trabalhadora. Primeiro, porque perdeu a eficiência do Estado e, segundo, porque está vendo seus direitos serem retirados para resolver o problema de caixa.
Um dos temas do 3º Congresso Mundial da CSI é o crescimento dos sindicatos. Como atuar de maneira unificada em países e continentes que vivem realidades distintas?
Felício – É possível promover uma campanha internacional com todos os continentes porque há problemas comuns. Por exemplo, considerando todos os trabalhadores representados pela CSI por meio das centrais, temos 7% de todos os sindicalizados. Isso é metade dos trabalhadores ligados a algum sindicato em todo o mundo. Portanto, 85% da classe trabalhadora está fora da organização sindical e esse é um problema gravíssimo. Se não aumentarmos nossa representatividade, a possibilidade de fazer enfrentamento é pequena. Há países na Ásia e África em que as centrais sindicais são sequer reconhecidas. Em especial no Panamá, Guatemala e Colômbia, sindicalistas são assassinados porque defendem os direitos da base de representação, questionam o capital, o governo e os meios de comunicação. E precisamos estar fortes e unidos para mudar esse cenário.
O Brasil chega a esse congresso com a indicação do seu nome para a presidência. Isso é sinal de que o país pode ser considerado uma referência para o movimento sindical no mundo?
Felício – Com certeza.Quando fundamos a CUT, em 1983, tivemos apoio internacional para consolidá-la e transformá-la em uma entidade expressiva, de base, espalhada por todo o país e representando todas as categorias. Esse trabalho fez com que passássemos a ser respeitados em todo mundo. Uma admiração que só cresceu por construirmos um partido oriundo do movimento sindical e elegermos um operário para a presidência da República, depois uma mulher que lutou contra a ditadura. Sempre nos perguntam como conseguimos distribuir renda, fazer com que a maior parte das categorias tivesse aumento real, uma elevação de 70% do salário mínimo. Eu também gostaria que tivéssemos muito mais aqui, mas compare com o que há lá fora. Na maior parte dos países o trabalhador está perdendo o poder de compra e o movimento sindical representatividade. O Estado está diminuindo o seu papel em todas as áreas. E aqui ocorre o contrário, os acordos salariais são muito mais expressivos do que na época do neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso e todas as centrais sindicais cresceram. Isso leva a uma profunda admiração e levou o movimento sindical internacional a acreditar que a CUT, pela primeira vez, deva assumir a presidência da CSI.
O que esperar da sua gestão à frente da CSI?
Felício –Achamos importante aproximar o sindicalismo da América do Norte e da América do Sul porque os problemas que os trabalhadores vivem nos diversos continentes é o mesmo. É preciso que os dirigentes da CSI não fiquem apenas na construção de uma pauta unificada e viagem o mundo todo com o objetivo de ajudar as centrais sindicais a colocar em prática o que foi definido. Encontrar maneiras unitárias de desenvolver o que foi elaborado. A luta para frear o avanço das multinacionais sobre os direitos trabalhistas também deve ser uma das prioridades, porque essas empresas exercem uma forte influência sobre governos para aprovar tratados de livre comércio. Não somos contra haver relações comerciais entre países, o que não pode é limitar a isso. Também devemos ter relações multilaterais de direitos sociais.
A ampliação da participação dos jovens é uma preocupação para o movimento sindical internacional como é para o brasileiro?
Felício –Certamente, porque parcela expressiva da juventude não possui atuação na organização sindical e a CSI tem pautado esse assunto. O congresso de Berlim irá discutir mecanismos para mudar essa relação: o problema é a comunicação? O discurso? É a identificação? A participação das trabalhadoras é outra preocupação. Na CSI, para participar do congresso, as centrais tem de enviar delegações com paridade entre gêneros, mas sabemos que na maior parte das instituições isso não existe e sequer há percentual nos cargos de direção. A CSI precisa influenciar cada vez mais para que exista um percentual mínimo de gênero. Assim como precisa contribuir com o debate sobre a paz, porque não podemos permitir que as grandes potências tenham recursos para investir em armamento contra iraquianos, afegãos, palestinos e não tenham para combater a fome e a miséria. O sindicalismo que praticamos debate esses assuntos.
(Da CUT Nacional)