Câmara quer votar projeto antigo de terceirização

Com a reforma trabalhista prestes a ser aprovada e a Previdenciária engatilhada, o governo Temer quer incluir a regulamentação da terceirização nas relações de trabalho na esteira de suas reformas.
A proposta mais debatida por diversos setores da sociedade nos últimos anos está no Senado sob relatoria de Paulo Paim (PT). Não é esse projeto, contudo, que deve ser levado adiante.
Um acordo entre o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e o da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), priorizou o projeto que atualmente está na Câmara, cujo relator é o deputado Laercio Oliveira (SD-SE). Maia pretende colocar o projeto em votação até o final de março, atendendo pedidos do governo.
Criado em 1998 e aprovado no Senado em 2002, o projeto de lei 4.302 permite a terceirização para todas as atividades da empresa. Como já passou pelas duas Casas, ele só depende da aprovação da Câmara para ir à sanção de Michel Temer.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, critica a decisão de acelerar um projeto antigo quando há outro mais recente, aprovado em 2015 pela Câmara, o PL 4.330/04, ou PLC 30/2015 no Senado.
“É uma tática do segmento empresarial tendo em vista que o projeto que está no Senado talvez não atenda aos seus interesses plenos de transferir a renda do trabalho para o capital. O projeto de 98 é desatualizado não só do ponto de vista de seu conteúdo como de debate democrático”, diz Germano, ressaltando que o PL aprovado em 2015 não é necessariamente bom, mas pelo menos teve dez anos de acúmulo de debate pelo Brasil inteiro, com participação popular.
Ronaldo Fleury, procurador-geral do Trabalho, lembra ainda que a composição do Senado influencia no que é aprovado ou não. “Nós entendemos que uma lei sempre deve refletir o pensamento da sociedade, por isso temos representantes, mas o Senado que aprovou esse PL não é mais o mesmo de hoje. É uma realidade econômica e social absolutamente diferente”.
O procurador também refuta o argumento do governo de que a terceirização é necessária para melhorar a economia. “No momento em que foi elaborado, na época de FHC, o Brasil não vivia uma crise, então talvez não seja bem essa a intenção”.
A terceirização prejudica o trabalhador?
Dentre outras mudanças, o projeto admite a terceirização das atividades-meio e fim, o trabalho fora da empresa e desintegra a estrutura sindical. O governo alega que nenhum direito será perdido e que a reforma ainda poderá criar mais empregos, aquecendo a economia. Não faltam críticas ao texto, entretanto.
“É negativo que haja remuneração diferente para o mesmo trabalho exercido”, aponta Germano Siqueira. “Haverá no Brasil, como já houve em outros países, uma alta do subemprego e um rebaixamento sistêmico do salário. Um funcionário terceirizado recebem em média 30% menos, o que impacta no poder de compra e na arrecadação tributária”.
Ronaldo Fleury explica que a reforma também prevê que caso a empresa venha à falência, o prestador de serviço não poderá exigir nada do tomador. “Eles ficam à mercê do empregador direto”.
O procurador-geral do Trabalho também explica que pode haver uma maior rotatividade da mão de obra e que a empresa não é obrigada a treinar seus funcionários, motivo de grande preocupação. Se aprovada, a medida pode gerar 18 milhões de novos trabalhadores terceirizados.
“A cada quatro trabalhadores acidentados no Brasil, três são terceirizados, o que aliás vai criar um passivo para a própria Previdência Social. O que os maus empregadores querem é pagar menos e ter menos responsabilidade”, afirma Fleury.
Além dos prejuízos para o trabalhador, o procurador também chama atenção para o texto do PL. “É muito aberto e mal redigido, isso vai levar a uma insegurança jurídica”.
Fleury explica que o projeto de 98, da forma como está redigido, cria uma expectativa de que as empresas não tenham mais responsabilidade sobre os terceirizados, mas que ele e outros juízes entendem diferentemente. “Se o trabalhador decidir processar e o juiz der ganho de causa, daqui a alguns anos teremos um passivo trabalhista impagável”.
O conjunto de reformas do trabalho
Caminhando próximos ao projeto de terceirização, seja o criado em 1998 ou o aprovado em 2015, há ainda a reforma trabalhista e a proposta de trabalho intermitente.
Germano Siqueira, da Anamatra, afirma que esses três projetos, se aprovados, desnaturam grande parte das garantias trabalhistas consolidadas na Constituição de 1988.
Um dos pontos da reforma trabalhista projeta a possibilidade de jornada de até 12 horas de trabalho diário, dentro de uma flexibilidade de 48 horas por semana, sendo quatro delas contabilizadas como hora extra.
Este cenário, aliado ao trabalho intermitente, não deve criar mais empregos, como explica Germano: “Além de conseguir demitir mais facilmente, a empresa poderá, com um quadro mais enxuto e muito móvel, cumprir uma mesma produtividade com um número menor de empregados, sobrecarregando os mesmos”.
O presidente da Anamatra também critica a possibilidade de prevalência de acordo coletivo sobre a lei, ponto levantado pela reforma trabalhista. “É uma grande piada. Não há liberdade sindical e de greve no Brasil. Se tivesse, o acordo coletivo poderia valer como representatividade real da vontade do trabalhador, mas não é”.
A terceirização no STF
Alexandre de Moraes, indicado de Temer para o Supremo Tribunal Federal, foi indagado pelo senador Paulo Paim (PT-RS) durante a sabatina da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania sobre a terceirização de trabalhadores e as reformas da Previdência e trabalhista.
O ministro licenciado afirmou que esses temas já estão sendo ou serão analisados pelo STF em breve e, portanto, preferiria não adiantar seu posicionamento, mas lembrou que o julgamento da terceirização também para as atividades-fim e não só para atividades-meio está empatado, podendo ser ele o responsável pela decisão.
(da Carta Capital)