Aula inspiradora: professora dá reforço escolar para crianças em Ceilândia

A professora Margarida Minervina e outros voluntários de projeto no condomínio Sol Nascente fazem meninos e meninas da cidade que tinham dificuldade no colégio tomarem gosto pelo estudo. Já existem até ex-estudantes que agora ensinam.
A menina que atravessava um rio no município piauiense São Julião do Piauí para chegar à escola, há quase 30 anos, hoje dissemina conhecimento em uma das comunidades mais carentes do Distrito Federal. É no Condomínio Sol Nascente, em Ceilândia, que Margarida Minervina da Silva, 41 anos, acolhe cerca de 100 crianças e adolescentes entre 6 e 16 anos. Sob a supervisão de pedagogos, dá aulas de reforço para o grupo usando o método Paulo Freire na própria casa. Outras centenas de jovens fizeram parte da luta diária da nordestina, que teve início há oito anos.
Esses meninos e meninas vinham de resultados insatisfatórios no colégio, mas começaram a apresentar bons rendimentos escolares. As notas deixaram de ser canetadas em vermelho, assim como o comportamento deles — dentro e fora das salas de aula. Alguns chegaram a ser alfabetizados com um “empurrãozinho” de Margarida. A piauiense não tem formação superior, mas fez o magistério, antiga formação para professores. O projeto é apenas um da série de atividades da Associação Despertar, entidade sem fins lucrativos que sobrevive praticamente de doações.
É em uma casa emprestada — a mesma onde Margarida mora há cinco anos —, na Chácara 5 do Condomínio Gêneses. Lá, três vezes por semana, alunos de instituições públicas de ensino da vizinhança ocupam as cadeiras no quintal do imóvel simples após as aulas no colégio. Aliás, nem mesmo a má condição de parte das carteiras doadas à associação é obstáculo para a criançada seguir em frente. Faltar, de jeito nenhum. A regra é ter disciplina máxima, e ai de quem desrespeitar a norma do local. “Eu sou perfeccionista e exigente. Ou aprende ou aprende”, brinca Margarida. A rigidez da voluntária poderia ser motivo de distanciamento entre ela e os estudantes, mas não. “O que eu mais gosto daqui é da Margarida, porque ela me ensina”, assume o Geovani dos Santos Rocha, 9 anos. Além de usar a casa como palco das aulas, ela e os demais voluntários tiram as dúvidas dos alunos matriculados no projeto, à noite, na Escola Classe 66 de Ceilândia.
Quem vê o espaço cercado de estudantes empenhados em tirar dúvidas de matemática, português, geografia e tantas outras disciplinas, não tem ideia de como Margarida foi capaz de mover montanhas e mudar o destino desses meninos. “O Sol Nascente não é só lugar de bandido, não. Já pegamos crianças que não existiam para a sociedade, que eram marginalizadas e mostramos que eram capazes. A partir disso, elas deslancharam para os estudos”, desabafa Margarida. “Alguns professores das crianças falavam que não sabiam qual o remédio que nós tínhamos dado, porque elas se transformaram. Eu digo com precisão: eles chegam aqui e eu e os demais monitores falamos que queremos ajuda-los, que eles vão aprender e vamos aprender com eles. Os meninos, então, afloram tudo o que têm dentro deles. Percebem que temos muito amor para passar para frente. Se recebe-los com amor, eles aprendem qualquer coisa”, completou.
Português
Geovani é exemplo de esforço. Há um ano e meio, o estudante da 4ª série da Escola Classe 66 de Ceilândia viva um dilema com o português. Não era amigo dos livros. Hoje, desenvolveu gosto pela leitura. “Agora, eu adoro escrever histórias. Já fiz um texto sobre os Três Porquinhos. Estou tirando 10 em português”, orgulha-se. Três vezes por semana, dias em que frequenta a entidade, Geovani permanece cercado por livros. É na casa de Margarida que ele e os demais respiram histórias reais e de ficção. Para incentivar os jovens, a piauiense espalha milhares de obras pelos quatro cantos do imóvel.
Diferentemente de Geovani, lidar com letras nunca foi difícil para Jonata Carvalho do Nascimento, 12. “Vim pra cá sem entender muito de matemática. Era difícil, mas agora aprendi a fazer várias contas”, lembra. Além de serem acompanhados por pedagogos, os meninos são guiados por monitores, a exemplo de Ana Paula da Silva Vieira, 14. Ela não larga a entidade há seis anos, quando precisou de uma mãozinha para melhorar as notas. Há dois anos, ajuda a tirar as dúvidas dos alunos. “Muita coisa mudou na minha vida, desde então. Eu gostava de aprender, mas hoje percebo que ensinar também é muito bom”, observa a discípula de Margarida.
Aos 8 anos, Ana Paula conheceu o projeto de Margarida. Foi graças à nordestina que a adolescente começou a tocar as primeiras notas de música no violão. As aulas eram ministradas por um voluntário que hoje não faz mais parte do quadro de professores. À época, a associação ficava instalada no salão de beleza do pai dela. O espaço havia sido cedido por ele. Além de aprender a usar o instrumento, a menina descobriu que o português não é um bicho de sete cabeças. “A matéria complicava a minha cabeça até que a Margarida me deu a primeira aula. E devo muito a ela por eu ter melhorado”, relembra.
(Do Correio Braziliense)