Artigo: "A Escola inclusiva que queremos ter"

lincoln-canto
(*) Lincoln Canto do Nascimento
Em face ao forte ataque aos direitos dos professores, assim como do visível esfacelamento das metas do atual PNE, por meio do imediatismo característico de políticos comprometidos com interesses alheios a uma política pública para a educação nacional em longo prazo, trago esta reflexão acerca da escola que nós professores da rede pública de ensino queremos construir para a educação nacional.
É revoltante observar a inviabilização de uma política pública a longo prazo para a educação nacional, assim como o esfacelamento das metas do atual PNE, na contramão do viés progressista longamente debatido nas comunidades escolares. Em contraponto ao visível retrocesso podemos citar a internacionalmente elogiada Escola da Ponte, divulgada pelo professor Antônio Nóvoa, escola pública portuguesa de ensino fundamental premiada pelos resultados de aprendizagem, uma comunidade de aprendizagem respeitada também aqui no Brasil.
Esta escola nos permite entender que é em comunidade que percebemos o indivíduo nascendo inserido nos valores e contexto coletivamente construídos, tendo de se adaptar à coletividade para existir e ser aceito, participando das atividades e decidindo o futuro com seus concidadãos. Segundo Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, estas relações comunitárias são criadas em um ambiente que constrói um vínculo significativo entre os sujeitos, difícil de ser rompido e quando rompido doloroso isto se torna. Podemos observar, nesta escola portuguesa, a alteração de uma organização do trabalho escolar, a qual reviu as práticas educativas questionando suas convicções, incomodando acomodados e fazendo surgir um novo conceito relacional, dentro de uma organização de conhecimento, de espaço e de tempo comunitário, colocando em evidência o trabalho em equipe no ambiente educacional.
Suas características mais importantes nos levam a pensar o desafio da inclusão, principalmente quando busca garantir as mesmas oportunidades educacionais e de realização pessoal para todos os sujeitos da comunidade escolar, promovendo a autonomia e a solidariedade, operando transformações nas estruturas de comunicação entre a escola e os responsáveis dos alunos, e buscando intensificar a parceria entre instituições e agentes educativos locais.
Os grupos de estudantes, sempre observados de perto, são posicionados de forma a incluir em cada grupo um aluno especial, ou um aluno com dificuldades de aprendizagem por motivos diversos. Através dos valores comunitários, os estudantes sentem-se responsáveis por apoiar aquele que precisar de assistência na ausência do professor regente. Interessante observar neste modelo de escola que são OS ALUNOS, junto aos professores, que decidem as pautas dos encontros, e com quem serão os encontros. O aluno se torna SUJEITO ATIVO do processo pedagógico e a democratização do fazer se torna o exercício de cidadania em cada fragmento do tempo passado e experimentado no cotidiano escolar. Compreendeu-se que o exercício da liberdade e da responsabilidade se tornou o meio eficiente de tornar os alunos (e por extensão os seus responsáveis) participantes da comunidade Escola da Ponte.
O futuro da educação brasileira pode ser pensado a partir da urgência da construção de uma escola renovada com direito à aprendizagem para novos sujeitos sociais.
Hoje há no Brasil essa mesma necessidade de incomodar os acomodados, de nos motivarmos a tentar alcançar esses resultados, não bastando apenas construir novas diretrizes curriculares voltadas aos interesses do mercado e dos empresários, mas sim de defender os direitos conquistados pelos estudantes e professores através das lutas históricas pela democratização da educação no Brasil.
Como podemos mudar a educação, quando nos submetemos à colonização pela cultura da ordem que nos impede de ver o jovem, como propõe a absurda proposta da Escola Sem Partido? Perguntar “que escola queremos?” é em si uma pergunta política.
Outro ponto interessante que vem à tona é a luta dos educadores pelo fim da concepção estamental a que o ensino é submetido historicamente. É importante perceber que as respostas não podem aparecer facilmente, dependem antes do alinhamento da educação brasileira para longe de uma política consumista, paliativa, descartável, mas sim que aponte para uma educação pelo respeito e não para a da obediência como foi a educação jesuíta ou a educação militar, tal qual a proposta apoiada pelo governo interino.
Paradoxalmente, dentro do contexto comunitário, é importante observar e valorizar as individualidades nas escolas, buscando uma escola participativa, a partir de um novo ethos construído a partir do paradigma inclusivo. Esta transformação cultural pode ser viabilizada a partir do momento que a escola seja vista como espaço transformador. Só uma geração de professores inovadores que gostem organicamente de seu trabalho, podem criar alunos preparados para uma sociedade que valorize, ávida, a diversidade e a participação cidadã.
A escola é um direito de ser gente, é produzir um consenso básico, deve ser um elemento clássico, tem que dar cultura através do seu projeto político pedagógico. A função da escola é humanizar, e deveria transformar o desenvolvimento humano em prática pedagógica. Podemos dizer que a escola tem que ser uma outra ética, uma outra estética, e se a sociedade funciona a partir da participação política, a escola deve ser o seu contraponto. Humanizar e preparar para a vida em sociedade (Paideia) é buscar uma escola de direitos, de convivência. Tornar seus participes sujeitos críticos e motivados a desenvolver-se coletivamente, holisticamente, em comunidade, é um ponto fundamental da vida nesta escola inclusiva.
Refletir sobre as novas relações na escola é reconhecer o valor do abraço e da amizade dentro de uma comunidade real, que precede o indivíduo, e que não se desfaz a partir de um clique, ou da exclusão da alteridade, mas implica antes de tudo em acolhimento, responsabilidade e cuidado com o outro. Não se consegue avançar atacando aqueles que de fato estão a serviço da melhoria do ensino no ambiente comunitário da escola. Valorizando o papel do professor se avança na perspectiva de uma escola de direitos, inclusiva, uma perspectiva de educação política não do educando, mas da comunidade escolar como um todo. Valorize essa ideia.
(*) Professor de Sociologia da SEEDF, Especialista em Gestão Escolar pela Universidade de Brasília e Especialista em Gestão Educacional pela Universidade Católica de Brasília