AIDS ainda é sinônimo de preconceito

Mariana, 26, contraiu HIV após uma relação sexual sem preservativo. Mas, com exceção de amigos e parentes muito próximos, ninguém sabe. “Pode até ser que não tenha preconceito, mas eu nunca vou ter certeza até que as pessoas me maltratem, me excluam  Eu posso ter uma vida normal, mas isso depende mais de como as pessoas vão me tratar do que o contrário. Até hoje minha mãe me fala do meu erro. Se ela, que é próxima, fala assim, imagina numa roda de caras”, pondera.

O sofrimento que a cabeleireira teme ainda carece de ações mais contundentes e permanentes do movimento sindical, dentro e fora do ambiente de trabalho, conforme aponta a secretária-geral Adjunta da CUT nacional, Maria Godói Faria.
“É preciso ampliar o trabalho de educação e lembrar que os equipamentos de proteção individual (EPIs) são uma forma de prevenir o contato com a doença, não com o paciente soropositivo. Lembrar também que o soropositivo pode ter uma imunidade baixa e, inclusive, ser vítima de alguma doença oportunista trazida por um profissional que não utilize o EPI. Além disso, a luta pela igualdade contra a discriminação deve ser constante”, alerta.
Para ela, a partir do momento em que houve um certo controle da epidemia e a descoberta de medicamentos que aumentam a qualidade de vida dos pacientes, ocorreu também um certo descuido por parte da população. Descuido esse que também deve ser combatido no ambiente de trabalho.
Tesoureiro do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Assu (RN) e representante da CUT na CNAIDS (Comissão Nacional de DST, AIDS e Hepatites Virais), Eurian Leite, 44, é protagonista de uma campanha da UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS), ONU e PNUD para combater o preconceito no ambiente de trabalho.
A ação Intitulada “Eu trabalho com você” tem o dirigente em cartazes nos quais afirma sua condição de HIV positivo. O objetivo é promover a convivência harmoniosa e sem medos e, ao abrir o debate, combater a falta de informação para mostrar que é possível dividir o mesmo ambiente de trabalho sem riscos.
Também secretário LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) da Confetam (Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal), Fetam/RN e coordenador LGBT da ISP (Internacional dos Serviços Públicos) no Brasil, ele acredita que o movimento sindical deveria ser mais atuante no debate sobre o tema.
“Fazemos pouco, ainda, principalmente porque ignoramos dados alarmantes sobre preconceito e a forma como as pessoas com AIDS se sentem no mercado de trabalho. E essa demanda é nossa”, afirma Leite.
Um estudo sobre as respostas das empresas brasileiras ao vírus, de 2013, destacou que 87% não haviam feito ações de prevenção à doença em 2012 e que somente 41,3% proibiam a prática de atestados de exames de HIV aos candidatos ou empregados.
Já uma pesquisa do Ministério da Saúde de 2010 destaca que, entre oito mil pessoas entrevistadas, 22,5% não comprariam legumes ou verduras em um local onde houvesse um trabalhador com AIDS e 13% defenderam que uma professora HIV positivo não poderia dar aula.
Para ele, as categorias precisam debater o tema nas campanhas salariais, como a dos bancários, que negociam nacionalmente e incluíram uma cláusula específica sobre AIDS, em que as patrões e trabalhadores determinaram a proibição de exigência de exames médicos para diagnóstico do vírus da doença.
Foco na recomendação
Eurian Leite destaca que o carro chefe da luta contra discriminação é a Recomendação 200 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), sobre HIV e a AIDS no mundo do trabalho, aprovada após uma parceria das centrais com a CSI (Confederação Sindical Internacional) em defesa do tema.
Outro avanço foi a sanção da Lei 12.984/04, pela presidenta Dilma Rousseff, que pune a discriminação de pessoas vivendo com HIV em qualquer ambiente.
“Avançamos em direção à cidadania, mas não temos muito a comemorar, já que a quantidade de mortes permanece alta em relação a cinco anos atrás. Há falhas em campanhas preventivas, especialmente pelo Congresso conservador que temos e interfere em campanhas para grupos de risco, como a de prevenção entre as prostitutas, alegando que estávamos fazendo apologia à prostituição. Se não atualizarmos a linguagem para falar com grupos que estão mais vulneráveis, como os adolescentes, por exemplo, apelando apenas para clichês como “AIDS mata, use camisinha”, não vamos avançar na prevenção”, define.
O HIV no mundo
A ONU estima que 35 milhões de pessoas vivam com HIV e 19 milhões não tenham conhecimento de que contraíram o vírus. O lado positivo é que o número de mortes em decorrência da doença caiu 11,8% no mundo em comparação a 2012, e 35% quando comparado a 2005, período de pico da doença.
O lado ruim é que na América Latina e, especialmente, no Brasil, o número de infectados subiu 11%, entre 2005 e 2013.
A Unaids também aponta que 1,6 milhão de pessoas vivem com HIV na América Latina e, aproximadamente, um terço das novas infecções ocorre em pessoas entre 15 e 24 anos.
“Claro que esse dado é negativo, mas também demonstra que o número de pessoas com acesso ao diagnóstico cresceu. Portanto, precisamos investir também no acesso à informação e à prevenção”, recomenda Leite.
Porém, a América Latina ainda é a região com a maior cobertura à terapia para AIDS, que atende 45% das pessoas. No Brasil, que desde 1996 distribui o tratamento antirretroviral gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, cerca de 200 mil pessoas recebem regularmente os remédios.
Ainda, assim, diz, o acesso ao tratamento não é universal no país. “Na região Sul e Sudeste há uma resposta eficaz ao pedidos dos pacientes, mas os estados do Norte e Nordeste ainda apresentam problemas sérios. Há estados que demoram três meses entre o agendamento do teste no centro de referência e a consulta, porque só tem um médico para atender. E aí o paciente desaparece e entra na estatística daquelas pessoas que contraíram o vírus, mas não sabem”, alerta.