A influência das mães de classe média na escola pública

O movimento de mãe e pais de classe média transferirem seus filhos de escolas particulares para escolas públicas tende a se aprofundar em momentos de crise econômica, como a que o país atravessa. Em 2017, 220.767 estudantes matriculados na rede estadual de São Paulo vieram da rede privada, um número 25,8% maior do que os que fizeram a mudança em 2012 (175.404). No mesmo período, o desemprego cresceu de forma alarmante, forçando a classe trabalhadora a abrir mão de serviços privados como educação e saúde.
Ainda que o peso das mensalidades no orçamento da família seja significativo, nem sempre é o argumento central a justificar esse movimento. Diversidade, melhores espaços físicos, alimentação adequada, e, principalmente, melhores mecanismos de envolvimento com as práticas escolares, são alguns dos pontos levados em conta por mães e pais, que aos poucos desconstroem a crença comum de que a educação privada é superior à pública em todos seus aspectos.
Desde a amamentação até a introdução de novos alimentos, a jornalista Liora Mindrisz, 32 anos, está atenta a nutrição da filha Adélia, hoje na eminência dos três anos. Livre acesso ao seio, alimentos manuseados com as próprias mãos, restrição do açúcar e farinha branca, tudo para que a pequena tenha uma boa relação com a alimentação.
Em 2017, Liora voltou a trabalhar. Anos fora do mercado de trabalho, desemprego na família, e a ideia de colocar a menina numa escola particular onde as opções educativas dos pais fossem preservadas foram ficando cada vez mais distantes. Ela procurou unidades privadas e públicas.“Gostei mais das públicas do que das particulares cujos valores não eram exorbitantes – mas ainda pesado para o orçamento atual -, mas que mais pareciam depósitos de crianças. Não tinha vaga na pública, e eu tinha que voltar a trabalhar, então encontramos (ela e o marido Odirlei Regazzo) uma escola particular e razoável. Era um valor que a gente conseguia pagar, mas que ainda assim impactava muito no nosso orçamento.”
Esse ano, a secretaria de Educação de Santo André chamou Adélia para uma vaga. Na nova escola, a expectativa é que muitas das demandas da mãe sejam atendidas: a unidade é grande e tem um bom espaço externo para brincar – já que a menina não é alfabetizada, e, portanto, sem justificativa para confinamento na sala de aula -, as refeições que priorizam os alimentos in natura, estante de livros na sala, acesso da mãe a todo o prédio – em geral, nas escolas particulares os pais deixam os filhos na porta da unidade, já na pública os pais podem deixar na porta da sala -, e, o principal para a mãe: Adélia conviverá com mais diversidade social e cultural nessa nova etapa. “Na antiga escola ela só tinha contato com mesmo tipo dela, e eu não quero que ela estranhe o outro porque não é um igual.”
A experiência da jornalista vai se moldando a partir de um senso de comunidade que vem de dentro.  “Eu recebi boas indicações dessa unidade, e por acaso uma amiga será a professora dela. Conheci a diretora e senti que ela faz boas opções ali. Não tenho ilusão de que não existam problemas, mas eu vou participar do Conselho Escolar. Quero me envolver em tudo.”
Mudando por dentro 
Participação é a chave da relação da arquiteta Ana Paula Lepori e da filha Sofia com a comunidade escolar. Ambas participam dos conselhos da escola; a mãe do Conselho Escolar, e a filha do Conselho Mirim. Segunda Ana Paula, a campanha interna que elegeu Sofia foi valoroso para o aprendizado dos alunos, reforçando a interação, além de estimular a apropriação da escola.
Embora o Conselho Escolar seja um dos principais mecanismos de participação dos pais, Ana Paula afirma que falta formação para que todos entendam a função das reuniões, de maneira a qualificar essa participação. “Estou há dois anos no Conselho, e temos problemas. Não são todas as unidades que os conselhos são efetivos. Falta o poder público formar politicamente a população para isso. Não do ponto de vista partidário, mas melhorar o entendimento de participação social”, disse.
A mãe é arquiteta, trabalha com políticas públicas, e o primeiro entrave para encontrar uma escola foi exatamente os espaços físicos. Também moradora de Santo André, a arquiteta visitou inúmeras unidades particulares de toda a região, e em nenhuma encontrou prédios adequados. “Para mim, o espaço também educa, e não dá para uma criança ficar confinada num lugar mal iluminado, cheio de grades, que raramente tem um jardim, e quando existe tem uma placa fincada pedindo para que ninguém pise na grama. As escolas particulares, em geral, são assim.”
No sistema público ela encontrou prédios vocacionados para o ensino infantil, e encontrou também a oportunidade da filha se inserir num espaço que, assim como Liora, ela classifica como microcosmo social, com colegas de diferentes condições sociais, de raça, além de necessidades físicas e psicológicas diversas.
Já a filha da Andressa Mimucci Penha, 32 anos, está há dois anos em uma unidade pré-escolar da capital paulista. Produtora audiovisual, Andressa não tem emprego fixo, e conta muito pouco com a ajuda do pai da menina, o que inviabilizou a ingresso da Manuela em uma escola particular. A alimentação foi prioridade na escolha, já que a menina passaria o dia todo na unidade para que ela pudesse trabalhar. “Até o ano passado alimentação era 80% feita com produtos orgânicos. Ela faz cinco refeições na escola e nunca comeu uma única salsicha”, conta.
A escola da Manuela não possui Conselho Escolar, mas Andressa sabe que os direitos da filha como aluna têm de estar sempre sob vigilância, e por isso frequenta as reuniões com professores e diretores. “Infelizmente essa não é a postura de todos os pais. Já fui a reuniões que eu era a única mãe. É uma pena, porque de modo geral os professores recebem bem as sugestões.”
A falta de espaços institucionais não impede, no entanto, que os pais se envolvam, e mais, se unam por um interesse comum a toda classe trabalhadora: a qualidade dos serviços públicos.
(da Carta Educação)