A formação da identidade profissional dentro das escolas

Escrever ou falar sobre a formação ou identidade de uma categoria é mais fácil quando esta é detentora, além da carreira, de um efetivo programa de formação inicial e continuada. Não é o caso da categoria dos auxiliares de administração escolar ou técnico-administrativo. A começar pelo nome. Sempre que esta categoria é citada, é necessário também acrescentar mais alguns termos para que seja bem entendida. Termos como “todo o pessoal que trabalha em escola privada e não são professores” são usados para ajudar na identificação deste grupo de profissionais.
A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), ao fazer referência aos profissionais da educação, não reconhece, objetivamente, a existência dos demais trabalhadores que atuam nas escolas. A trabalhadora ou trabalhador responsável pela limpeza e conservação do prédio ou dos livros na biblioteca, ou pelo registro da vida escolar dos alunos, ou ainda o responsável pela portaria da escola, todos, sem exceção, são partícipes do processo ensino-aprendizagem.
Toda escola tem pelo menos uma “sala dos professores”. Os demais trabalhadores, os funcionários, os auxiliares, os técnicos-administrativos ou, ainda, “serventes” ou “serviçais”, durante os intervalos para lanche ou refeição, estão em algum canto do prédio escolar, debaixo de uma escada ou de uma rampa qualquer.
Com o avanço do ensino privado no Brasil, notadamente o do ensino superior, esta categoria é formada por um contingente considerável de profissionais. Conforme a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), a categoria é composta por quase meio milhão de postos de trabalho, sendo aproximadamente 160 mil homens e 320 mil mulheres.
Este exército de educadoras e educadores, além de enfrentar as dificuldades inerentes à categoria, enfrenta também outras, de largo conhecimento dos demais profissionais brasileiros. Dentre elas, duas merecem ser destacadas: uma é a alta rotatividade no emprego. Nos estabelecimentos privados de ensino, 52% dos trabalhadores são demitidos antes de completar dois anos de contratação. Outros 25% são demitidos antes de cinco anos de contrato. A outra é a marcante diferença salarial entre gêneros. A média salarial da mulher trabalhadora no estabelecimento privado de ensino é 33% menor do que a do homem.
Pelo simples fato de ser escola, poder-se-ia imaginar que a relação de trabalho nesse espaço fosse de vanguarda. No entanto, não é o que acontece. As relações são retrógradas, marcadas por práticas nefastas, que elevam os índices de adoecimento na categoria e o consequente afastamento do trabalho e levam a inúmeras ações judiciais.
Talvez seja esta uma das explicações para a existência de um movimento sindical vigoroso no setor privado da educação brasileira. Diferentemente de outros países, no Brasil, os trabalhadores em estabelecimentos privados de ensino foram e são protagonistas. Coincidindo, ou melhor, sincronizado com momentos relevantes de luta dos trabalhadores do país, como a criação do Ministério do Trabalho em novembro de 1930, a lei da sindicalização promulgada em março de 1931 e a criação da Confederação Sindical Unitária no ano de 1934, entidades representativas destas categorias começam a ser organizadas ainda na década de 30 do século passado. Sindicatos de Professores, os Sinpros, são organizados a partir de 1930 e os sindicatos de Auxiliares de Administração Escolar, os primeiros Saaes, a partir do início dos anos 1950.
A luta atual dos trabalhadores em estabelecimentos privados de ensino é intensificada, tanto para manter os direitos conquistados, quanto para avançar em novas conquistas. Além disso, novas demandas estão na agenda dos Saaes e Sinpros, como a regulamentação das relações de trabalho oriundas do ensino a distância e a financeirização do ensino. A essa agenda de lutas destes trabalhadores, recentemente, novos desafios foram acrescentados com a entrada em vigor da Lei 13.467/2017 em novembro de 2017, a chamada “deforma trabalhista”.
Por fim, é necessário salientar mais uma constatação. As instituições de ensino com ações na bolsa de valores passaram a ter no estudante não um educando, mas um cliente. Nas palavras do economista Marcelo Cordeiro: “Vejo o mercado de educação como um supermercado. Estou vendendo um produto. Só que, em vez de vender tomate, meu produto é um assento para o aluno estudar” (Carta Capital número 466, em sua edição do dia 17 de outubro de 2007).
*João Batista da Silveira é secretário de ensino, advogado, professor de História e membro das diretorias executivas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), da Federação Sindical dos Auxiliares de Administração Escolar no Estado de Minas Gerais (Fesaaemg) e do Sindicado dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais (Saaemg)
(da Carta Educação)