Artigo: Greve geral das mulheres: uma maré feminista contra a onda neoliberal


Na semana do Dia Internacional da Mulher, a imprensa brasileira divulgou que a chanceler venezuelana Delcy Rodríguez havia dito que o Brasil se tornou uma vergonha mundial e que o “golpe contra Dilma trouxe retrocesso econômico”. O novo ministro brasileiro de Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), respondeu que ela, a chanceler, “não tem muita importância” no cenário político internacional.
A despeito da profusão de atrasos sociais, econômicos, políticos, patrimoniais, culturais, entre outros, que este governo tem produzido contra o país e o nosso povo, a frase do embaixador revela a exata medida da relação machista e autoritária que o conservadorismo neoliberal impõe ao país e o faz se apresentar ao mundo.
O exemplo está nas duas realidades recentes. Nos últimos anos, quando estava sob a gestão democrática e popular, o Brasil foi um dos países que mais se sobressaiu no mundo por causa dos avanços sociais e econômicos, com políticas de gênero que valorizaram a brasileira. Estava a caminho, pela primeira vez em sua história, da construção de uma sociedade mais justa e com mais igualdade entre os sexos.
Para retirar o país do atraso patriarcal e colonial foram criadas instituições e políticas públicas, como a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) – ambas ligadas à Presidência da República com status de ministério para ter recursos financeiros assegurados no Orçamento do Estado.
Tudo parecia avançar para uma sociedade democrática. O Brasil chegou a ser a sétima economia do planeta. Entre as políticas públicas, foram criados vários programas sociais que promoviam a distribuição de renda, como o Bolsa Família que, comprovadamente, empodera a mulher e influi na redução das diferenças e da violência sexual e doméstica.
O governo ilegítimo desmontou essa estrutura assim que tomou o Palácio do Planalto de assalto. Retirou das duas secretarias o status de ministério e reduziu a SPM a uma mera e casual subsecretaria do Ministério da Justiça, impondo a ela o imenso retrocesso de tratar a violência contra a mulher somente como caso de polícia.
Diante desse quadro, o ministro ilegítimo das Relações Exteriores e os integrantes do governo aparecem como estereótipo do conteúdo político e econômico em curso, que preconiza a redução de direitos e desumaniza as relações sociais. Agem com vandalismo contra a Nação e seu povo para reposicioná-la, criminosamente, na lista dos países mais atrasados e injustos do planeta. Tanto é que o presidente Michel Temer ameaçou acabar com o Bolsa Família caso a classe trabalhadora vá às ruas exigir a retirada da PEC 287/16, que reforma a Previdência.
Portanto, dizer que o Brasil se tornou uma “vergonha mundial” é uma declaração amena diante da depredação e  do estrago social, político, econômico e patrimonial em curso. A prova disso é a PEC 55, que congelou por 20 anos os investimentos nos serviços públicos exclusivamente para desviar o dinheiro público a fim de pagar uma dívida não auditada com os banqueiros. Outra prova é a pressão anterior e a posterior materialização da entrega do pré-sal e de outros patrimônios públicos minerais e biológicos às multinacionais estrangeiras. Agora, os parlamentares trabalham contra o povo e avançam sobre os direitos trabalhistas e constitucionais.
Querem impor aqui as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do sistema financeiro internacional, privatizando nossos direitos sociais, como educação, saúde, previdência, segurança, entre outros, transformando-os em mercadoria das grandes corporações estrangeiras, e retirar direitos trabalhistas para aumentar os lucros dos proprietários. O neoliberalismo e o patriarcalismo são irmãos siameses e lançam-se como onda gigantesca sobre países desenvolvidos e subdesenvolvidos e nesse avançar conservador todos perdem, mas, sobretudo a mulher.
Estudos comprovam que é ela a primeira a ter prejuízos quando as políticas conservadoras, neoliberais, fascistas e machistas se sobrepõe no mundo. São as primeiras que perdem o emprego. É porque para se impor e até mesmo existir, esse tipo de política se alimenta da violência. “Visivelmente, o capitalismo contemporâneo se alimenta da violência e da discriminação por gênero, assim como da desumanização frequente dos negros e negras”, afirma o geólogo inglês, David Harvey.
Para enfrentar esse tsunami neoliberal que arrasa conquistas e destrói relações humanas, uma maré feminista avança pelo planeta desde outubro de 2016. Na Polônia, as mulheres foram às ruas, em outubro, reivindicando seu espaço no poder e mostrando o poder da mulher. Na Argentina, em novembro, elas marcharam para denunciar o aumento da violência em 78% desde 2008. A cada 36 horas, uma mulher é assassinada por feminicídio na Argentina. No Brasil, não é diferente.
A situação não é diferente no resto do mundo. As mulheres foram às ruas na Islândia (outubro) por igualdade de gênero e contra a diferença salarial entre homens e mulheres, que varia de 14% a 18%; em Washington (EUA), em janeiro deste ano, as mulheres tomaram as ruas em nome da resistência e pelos seus direitos após a posse do atual presidente Donald Trump. Em 81 países, as mulheres realizaram 673 marchas irmãs com a participação de cerca de cinco milhões de mulheres pela liberdade, igualdade e direitos e contra a violência sexista.
No Brasil, fomos à luta contra o golpe. Marchamos contra os ataques aos direitos sociais e trabalhistas. Nossa luta culmina com a greve internacional geral das mulheres neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Em julho de 1917, o Brasil parou por direitos trabalhistas. Uma greve geral por salário, jornada de trabalho de 8 horas diárias, carteira de trabalho, previdência social, descanso semanal remunerado, direito à hora do almoço, férias remuneradas, saúde e vários outros ameaçados, atualmente, pela reforma trabalhista em andamento no Congresso Nacional.
Cem anos depois, protagonizamos uma greve internacional das mulheres. Cinquenta países aderiram ao movimento. Há quem diga até que este 8 de março de 2017 irá entrar para a história como o dia do início de uma nova Onda Feminista no mundo. E nós, professoras da rede pública de ensino do Distrito Federal, somos protagonistas desta resistência. Também paramos contra as injustiças sociais, as retiradas de direitos, a violência sexual e doméstica, além de várias outras formas de agressão às mulheres negras, indígenas, brancas e de todas as raças.
Paramos contra os ataques misóginos de governantes e almejamos criar uma força de esquerda feminista, filógina, capaz de denunciar e de sustentar uma reação mundial à violência contra a mulher. “Nenhum direito a menos!”, “Nenhuma a menos!”: essas são nossas palavras de ordem desde sempre!
*Artigo de Vilmara Pereira do Carmo – coordenadora da Secretaria de Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras do Sinpro-DF