Análise da CNTE sobre o relatório do relator à medida provisória Nº 746, que trata da reforma do Ensino Médio

reensino

Em 29 de novembro de 2011, o senador Pedro Chaves (PSC-MS) procedeu a leitura de seu relatório sobre a Medida Provisória (MP) nº 746, encaminhada pelo governo ilegítimo de Michel Temer ao Congresso Nacional com a finalidade de reformar o ensino médio nas escolas públicas e privadas.
A CNTE, a exemplo do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, decidiu não apresentar emendas ao texto da MP 746, através dos parlamentares que integram a Comissão Mista encarregada em analisar previamente a medida provisória, por considerar o projeto ilegítimo, antidemocrático, extemporâneo, cerceador de direitos e de base estritamente neoliberal.
Não obstante a decisão a respeito das emendas, a CNTE participou de audiências públicas e de reuniões com o relator, no sentido de tentar intervir no conjunto da proposta, especialmente em seu arquivamento e na consequente abertura de debate democrático sobre o tema. Infelizmente, não foi o que ocorreu.
O relatório apresentado em 29/11/16, em termos gerais, aprofunda diversos problemas contidos na proposta inicial do governo. Ou seja, amplia a perspectiva privatizante do ensino médio, inclusive por meio da Educação a Distância; aprofunda o problema do financiamento nos estados ao incorporar gastos de merenda escolar na rubrica de manutenção e desenvolvimento do ensino; mantém o reducionismo de conhecimentos, a dualidade dos itinerários formativos e a restrição de acesso de todos os estudantes a conteúdo curricular universal no ensino médio; estende a precarização da formação docente para atuar na educação básica e não resolve o problema da disponibilidade de todas as áreas de interesse dos estudantes para concluir os itinerários formativos das áreas específicas propostas na MP – estima-se que em mais de 3 mil municípios com apenas uma escola de nível médio os estudantes ficarão reféns de uma ou no máximo duas formações específicas!
Sobre o financiamento, embora o relator proponha ampliar o tempo da ajuda federal aos estados a fim de fomentar a adequação e a ampliação das escolas de ensino médio em tempo integral, passando de 4 para 10 anos e limitando os repasses das verbas da União às escolas públicas, está mantida no relatório a condicionalidade da transferência dos recursos à disponibilidade financeira do ajuste fiscal, a ser definida por ato do Ministro da Educação. Em suma: a ajuda federal poderá não ocorrer efetivamente ou se dar em patamares muito abaixo do necessário.
Já o repasse de verbas do Fundeb para as escolas privadas de ensino técnico-profissional, mesmo com a barreira criada pelo relator para atender somente à primeira formação profissional dos estudantes (a proposta original previa repasses para formações subsequentes), é ampliado para as instituições de educação a distância (além das presenciais), que poderão ofertar cursos de formação técnico-profissional com base nos requisitos do § 11 do art. 36 da LDB.
Outro ralo de recursos públicos para a iniciativa privada foi criado com a alteração do Decreto-Lei 236/67. Trata-se da adesão do relatório do relator ao lobby das emissoras de televisão que poderão celebrar convênios com o MEC para transmitir “programas relativos à educação básica, profissional, tecnológica, superior e a outras matérias de interesse da educação”. E isso consiste em disseminar a cultura dos Telecursos, de qualidade e eficiência mais que duvidosos, para todos os níveis, etapas e modalidades da educação, com alto financiamento público.
Hoje os estados e os municípios já apresentam problemas para honrar a folha de pagamento (não só da educação), e essa dificuldade tende a se agravar no campo educacional com a inclusão dos gastos com merenda escolar na rubrica de manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 70 da LDB). O correto, no entanto, seria a União reforçar o financiamento da merenda (e do transporte) através de repasse via FNDE. E sendo esta uma pauta sensível aos governadores, a CNTE espera que os mesmos ajam sobre o tema.
O relator mantém o foco da aprendizagem estudantil em matemática e português, reconhecendo o direito das comunidades indígenas em utilizar suas respectivas línguas maternas, e propõe a manutenção da obrigatoriedade das disciplinas de Artes e Educação Física em toda a educação básica. Porém o mesmo não ocorre explicitamente com a Filosofia e a Sociologia, embora a CNTE entenda que a redação dada ao inciso IV do novo art. 35-A, que redefine as nomenclaturas e terminologias das áreas de conhecimento que deverão compor a Base Nacional Comum Curricular, ofereça condições de tornar obrigatórias essas duas disciplinas desde que sejam absorvidas pela BNCC. Essa condição não era prevista na proposta original da MP, pois a área de Ciências Humanas (inciso IV do art. 36 da LDB) não contemplava as Ciências Sociais, ora incluída no relatório.
O relator propõe elevar para 1.000 horas anuais, nos próximos 5 anos, a carga horária do ensino médio (5 horas diárias), o que já acontece na maioria das escolas privadas e em muitas públicas. Confere autonomia aos sistemas de ensino para adequar a oferta escolar no período noturno e estabelece percentual de até 60% do total da carga horária do ensino médio para as disciplinas da BNCC. E aqui continua residindo o grave problema do reducionismo disciplinar e da dualidade da oferta do ensino médio que será ofertada às diferentes classes sociais do país.
Com relação ao percentual para aplicação da BNCC, a expressão até 60% mantém aberta a possibilidade de ser menos da metade da carga horária, tal como se propôs no texto original da MP. E a manutenção da dualidade na oferta das áreas de conhecimento geral e específica – contrariando a orientação da Resolução CNE/CEB nº 23/2012 –, compromete a aprendizagem estudantil, especialmente dos estudantes das escolas públicas, que terão acesso a menos conteúdo da BNCC que serão cobrados nos exames de acesso ao ensino superior. A reivindicação da sociedade, portanto, consiste em manter a unidade de oferta na educação básica, sendo ela comum a todos os estudantes (das redes pública e privada), possibilitando itinerários formativos diversos aos estudantes, de forma concomitante ou subsequente, a exemplo do que já prevê atualmente a LDB.
O relator mantém a flexibilização da formação do magistério por notório saber e inclui uma nova categoria de profissionais da educação, que são os profissionais graduados em diversas áreas que não o magistério, mas que tenham feito a complementação pedagógica, conforme disposto pelo Conselho Nacional de Educação. Trata-se, lamentavelmente, de legalizar a precariedade da formação docente, algo que contraria todo o esforço da sociedade em valorizar a profissão do magistério e dos profissionais da educação, inclusive sob o aspecto da sólida formação profissional, indispensável para a qualidade da educação escolar.
A proposta do relator para alterar o art. 318 da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, limitando a carga de trabalho do professor à jornada semanal estabelecida em Lei (até 40 horas semanais), tem abrangência limitada, não sendo extensiva aos contratos públicos estatutários regidos por leis próprias (planos de carreira e estatutos do magistério).
Por fim, cumpre registar que a MP 746 mantém vício de origem, de forma e de conteúdo por não se pautar no debate democrático e nas reivindicações sociais, bem como por não atender os requisitos de relevância e urgência requeridos pelo art. 62 da Constituição, razão pela qual a CNTE ingressou com ação direta de inconstitucionalidade no STF, além de ter requerido ao relator, sem sucesso, o seu arquivamento.
Como não poderia ser diferente, uma vez que a MP 746 está em sintonia com a PEC 55/16 (antiga PEC 241, na Câmara), o relatório do relator mantém a lógica neoliberal restritiva de direitos para o ensino médio, e a CNTE recomenda aos parlamentares a sua rejeição e a imediata abertura de debate público sobre o assunto.
Leia o relatório na íntegra.
Brasília, 30 de novembro de 2016
Diretoria Executiva