O Mediterrâneo não pode ser um cemitério de migrantes

 Felício-e-Lisboa

Os reiterados naufrágios no Mediterrâneo e a dolorosa sequência de mortes estampam a política de genocídio e neocolonialismo aplicada pelas grandes potências, em particular contra os povos e países africanos.

A desestruturação, o esfacelamento de nações e as guerras – chegando a ocupação militar estrangeira, como no caso da Líbia – têm servido para uma maior exploração das suas riquezas naturais e de sua mão de obra, o que tem agravado a fome e a miséria, potencializando a desesperança. É isso o que tem feito com que homens e mulheres se lancem ao mar, rumo à Europa, em busca de uma nova chance para suas famílias.

Tais “oportunidades” clandestinas, como sabemos, nada mais são do que trabalho altamente precarizado – sem direitos e com salários arrochados – ou mesmo prostituído ou escravizado. Uma “compensação” para fazer girar a roda da fortuna do sistema financeiro, enquanto os povos – incluindo os europeus – sofrem com os cortes nos programas sociais e são mergulhados na “austeridade” para saldar dívidas completamente impagáveis. Estas são as prioridades que jogam para o final da fila a liberação de qualquer “ajuda humanitária” ou recursos mais consistentes para estimular o crescimento econômico das nações empobrecidas.

Para quem tem um mínimo de senso humanitário, é inadmissível ver a repetição do horror dos naufrágios sem lutar para que os ecos dos gritos de socorro reverberem nas autoridades responsáveis pela continuidade deste verdadeiro escárnio.

O fato é que apenas nos primeiros quatro meses deste ano mais de 1.750 imigrantes morreram afogados no Mediterrâneo, transformado num grande cemitério. O número, 30 vezes maior do que o registrado no mesmo período de 2014, conforme a Organização Internacional para as Migrações (OIM), dá a dimensão da tragédia.

Apenas no último domingo, em frente ao litoral da Líbia, 800 pessoas – entre elas várias crianças – perderam a vida. A Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR) aponta ser este o “acidente” mais mortífero já registrado no Mediterrâneo, o que reforça a necessidade de que seja dado um basta.

Também por uma questão de justiça, a hora é de lembrança, jamais de esquecimento, já que a América Latina e o próprio Brasil foram formados por gerações vindas do velho mundo, que por aqui se estabeleceram fugindo das dificuldades.

Rechaçamos, portanto, a postura segregacionista e profundamente autoritária dos governos europeus em relação aos migrantes, bem como reafirmamos a solidariedade, o anti-imperialismo e o respeito à autodeterminação dos povos como questões de princípio, que não podem ser afogadas na bacia das almas do grande capital.

*João Felicio é presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI)

* Antonio Lisboa é secretário de Relações Internacionais da CUT