Especialista propõe "imposto em grandes fortunas" sobre o uso da água

72% de toda a água doce consumida no Brasil vão para a irrigação agrícola. E apenas 9% da água doce do País são destinados a uso doméstico.
O morador da Grande São Paulo que nos últimos meses tem desligado o chuveiro na hora de se ensaboar ou passar xampu, com medo de ficar sem água de uma vez por todas, talvez se espante ao saber.
As donas de casa de bairros da periferia na mesma metrópole, que têm de acordar antes do raiar do sol para lavar roupa se quiserem escapar do corte de água que vai acontecer quando já estiverem a caminho do trabalho, podem ficar ainda mais revoltadas.
Números surpreendentes para os leigos, apresentados na tarde da última quinta-feira pelo professor-doutor e especialista em gestão de águas Luiz Roberto Santos Moraes, da Universidade Federal da Bahia, durante o seminário “Desafios e Perspectivas para a Gestão das Águas no Brasil”, promovido pela CUT Nacional em parceria com o Solidarity Center da federação trabalhista estadunidense AFL-CIO.
Mais que surpresa, os números revelam a desigualdade na distribuição dos recursos hídricos e na atribuição de prejuízos nos momentos de escassez. A indústria, ao contrário do que se poderia imaginar, não é a maior consumidora, cabendo-lhe 7% do uso de toda a água doce utilizada nacionalmente. Porém, mesmo neste caso, o preço da escassez é bem menor, já que o setor pode recorrer a fontes alternativas.
Gasta mais? Pague mais
Não só pela enorme discrepância, mas especialmente pelo fato de que não há nenhum dado disponível sobre a racionalidade e a eficácia do uso da água em irrigação, o professor Moraes defende a instituição de uma espécie de imposto sobre grandes fortunas aplicado aos recursos hídricos.
“Não existe estatística alguma sobre desperdício, formas de reaproveitamento e até mesmo sobre o pagamento efetivo dessa água. Muitos podem não estar pagando nada por isso”. Moraes, que há quatro décadas pesquisa e leciona sobre o tema, além de assessorar movimentos sindical e social nessa questão, é habituado a escarafunchar dados e estatísticas.
“A ANA (Agência Nacional de Águas) tem que fazer pesquisas para nos dizer onde estão essas perdas. Essa informação a sociedade precisa ter, de forma a criar políticas públicas que reduzam essa perda a zero”. Mas já adianta: “Esses usuários deveriam ser sobretaxados”. Agrada ao professor a comparação com o imposto sobre grandes fortunas. Para ele, seria uma forma de fazer justiça social.
“Há no campo 30 milhões de habitantes. Metade deles não tem acesso a água de boa qualidade. Com o combate ao desperdício e a sobretaxação, haveria recursos para, entre outras necessidades na gestão da água, levar abastecimento à população rural”.
Desperdício de sobra
O mau uso da água já é, de maneira geral, captado pelas estatísticas e pela experiência. O desperdício é geral. Somado ao aquecimento global, faz a Unesco prever que as reservas superficiais (rios, lagos etc) de água doce do mundo devem encolher em 40% até 2030, segundo informa o agrônomo Egon Krachecke, assessor da Agência Nacional de Águas, do Ministério do Meio Ambiente
No mundo, segundo ele, o desperdício médio é de 30%, sendo que no Brasil é de 37% contra 10% dos países ditos desenvolvidos. Em cidades-símbolos das grandes potências, esse índice é de 2%.
Para ele, o maior vilão da água no Brasil é o modelo produtivo do agronegócio, notadamente a pecuária de corte, que ele aponta como de “baixíssima” produtividade e alto consumo.
Ao que o secretário de Meio Ambiente da CUT Nacional, Jasseir Fernandes, contrapõe: “A agricultura familiar tem uma relação muito diferente com o ambiente que a cerca”. Ele próprio um agricultor familiar, lembra que a lógica do capital é se deslocar sempre depois de exaurir as possibilidades de um local ou de um negócio.
“Deixam os resíduos para o Estado cuidar, o que me fez inclusive questionar a tão propalada produtividade e eficiência do setor. Nós, ao contrário, queremos permanecer na terra e sabemos que cuidar bem dela é garantia de nosso sustento e futuro”.
Saiba mais
O seminário “Desafios e Perspectivas para a Gestão das Águas no Brasil” está sendo realizado até o final da tarde desta sexta-feira em Maceió (AL). Outros aspectos ligados ao tema estão em debate. A falta d’água em São Paulo, o aquecimento global, a baixa produtividade da pecuária de corte no Brasil e a descoberta de um imenso aquífero na região Amazônica, de impacto comparável ao pré-sal, são os principais. Falaremos sobre eles em novos textos que publicaremos ao longo do dia.