Mulheres recordam construção do sindicalismo feminista na CUT

Histórias, recordações emocionadas e um balanço de conquistas e desafios marcam a trajetória das mulheres cutistas na sociedade, no trabalho e na vida. Desde a fundação da CUT, há três décadas, foram muitas e árduas as lutas por mais espaço e compreensão à participação e às pautas das mulheres, à voz e ao poder de decisão no mundo sindical e, fora dele, para ampliar direitos e buscar a tão almejada igualdade de gênero.
O diálogo com o feminismo, a ampliação do olhar sobre as relações sociais, com a adoção de novas práticas no sindicalismo e a conquista de maior representatividade na Central, são avanços a celebrar, além do funcionamento ininterrupto de uma instância de mulheres nos 30 anos da CUT.
As narrativas sobre esses incansáveis embates femininos foram compartilhadas numa roda de conversa realizada pela CUT São Paulo no último dia 19, que contou, entre outras companheiras, com a presença das irmãs Didice Godinho Delgado – primeira coordenadora da Comissão Nacional sobre a Questão da Mulher Trabalhadora da CUT (CNMT) – e Tatau Godinho – secretária de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR).
Assistente social, Didice vive fora do Brasil há 17 anos e coordenou a CNMT de 1987 a 1993 e, mesmo após a saída da Central, manteve sua colaboração como militante, especialmente em trabalhos de assessoria e formação. Foi uma das principais responsáveis pelas articulações e pela proposta que resultou, em 1986, na criação da Comissão, então vinculada à Secretaria de Política Sindical. Fruto dessa luta, nasceu a Secretaria Nacional sobre a Mulher Trabalhadora (SNMT-CUT), aprovada por unanimidade em 2003, no VIII Congresso Nacional da CUT (Concut).
“Começamos a discutir a proposta de criar uma instância de mulheres da CUT em 1985, num processo que começou com a colaboração de várias feministas que militavam no movimento autônomo. Foram reuniões com sindicalistas urbanas e rurais de todo o Brasil até chegar à formulação que foi resultado dessa construção coletiva”, relata Didice sobre o período em que enfrentaram as barreiras da mentalidade machista, segundo a qual elas podiam participar dos sindicatos, mas com limitações.
As mulheres tinham dificuldade de participar dos congressos e plenárias por não serem da direção executiva e também eram convencidas de que a participação dos homens, em cargos como a tesouraria, era mais importante do que a delas, recorda Maria Mendes, que coordenou a 1ª Comissão Estadual sobre a Mulher Trabalhadora da CUT/SP – primeira a ser criada no Brasil após resolução do II Concut – ao comentar o preconceito e a discriminação sofridos. “Havia reuniões em que saíamos chorando, mas com a convicção de que íamos vencer”.
Feminismo e sindicalismo – Com a participação das mulheres cada vez maior no mercado e toda a desigualdade enfrentada no trabalho, gradualmente – e graças às pressões internas das recém-surgidas feministas cutistas – os dirigentes foram se convencendo e compreendendo a importância estratégica da representação das mulheres nos sindicatos – pois, afinal, A classe operária tem dois sexos, como reflete o livro de mesmo nome publicado em 1991, com artigos e ensaios teóricos de Elizabeth Souza-Lobo, uma das muitas feministas que colaboraram com as cutistas.
A formação das lideranças foi priorizada, discutindo a situação das trabalhadoras e a relação entre classe e gênero numa perspectiva feminista, “no sentido de que fôssemos sindicalistas empoderadas, sabendo tomar decisões e criando espaços de autonomia. Queríamos ser reconhecidas como feministas dentro do movimento sindical”, ressalta Didice.
Para a formação e a articulação nacional das sindicalistas, bastante complicadas na época devido às distâncias e à falta de recursos, a ex-dirigente destacou a solidariedade de organizações internacionais como a Fundação Friedrich Ebert – FES, e a Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres – CIOSL (que, unificada à Confederação Mundial do Trabalho, resultou no surgimento da Confederação Sindical Internacional – CSI, em 2006).
No processo de lutas por mais espaço no sindicalismo, Didice e Tatau também destacam a relevância da cota mínima de 30% de mulheres na direção da Central, definida em 1993 e, claro, a conquista da paridade que passa a vigorar nas instâncias orgânicas a partir de 2015.
E da mesma forma que no socialismo, há diferentes visões sobre o feminismo e os caminhos para construção, opina Tatau. Para ela, “feminismo é construir a igualdade de gênero com mulheres autônomas, capazes de conduzir suas vidas e ajudar a dirigir as coisas no mundo. Para isso, temos que estar em todos os espaços, mobilizadas, organizadas e com essa consciência e reivindicações se desdobrando”
Forjada no sindicalismo cutista, Denise Motta Dau, secretária municipal de Políticas para Mulheres de São Paulo, avalia a cota de gênero como medida “decisiva e de peso não só pra CUT, mas também com impacto nas outras centrais. Foi um momento em que, além da unidade, conseguimos sentar para planejar a defesa da proposta”.
Porém, além das estruturas de poder internas, era preciso atingir o conjunto de mulheres externamente com a incorporação das suas especificidades nos acordos coletivos. Segundo Denise, em meio à ansiedade gerada com o forte debate teórico sobre a desigualdade nas relações sociais, as cláusulas de gênero representaram uma resposta concreta e objetiva à questão no mundo do trabalho.
“Se a classe trabalhadora tem dois sexos e se o sindicato quer representá-las, dialogar e não perder base, terá que incorporar essa agenda. Quando isso se concretizou, as sindicalistas feministas conseguiram mais identidade, a partir desse papel nas negociações coletivas”, diz Denise.
Rompendo barreiras – Trabalho coletivo, união feminina e estratégias de negociação que permitiram dialogar com todas as forças políticas internas foram essenciais para superar as divergências e construir os espaços de articulação ao longo da história das mulheres na Central.
“Não temos medo de briga e temos convicção da nossa luta para construir um mundo com igualdade para mulheres e homens. Ninguém respeita se não achar que é igual”, afirma Tatau.
Mas em meio aos obstáculos, alertam, é preciso cuidado com armadilhas que podem surgir em situações nas quais as sindicalistas acabam ficando em grupos opostos na defesa de propostas, dando margem a comentários masculinos que insinuam divisionismo e desentendimento entre as mulheres. “No entanto, é mais do que legítimo que mulheres tenham opiniões diferentes”, ressalta Didice.
Nestes casos, permanecem a coletividade e a união, ressalta a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT/SP, Sônia Auxiliadora. “Na disputa da paridade, combinamos que, se houvesse problemas para fazer o debate no sindicato, levaríamos outra companheira para discutir a questão com o objetivo de proteger nossas mulheres, pois sabíamos das dificuldades e deu certo”. A dirigente também celebra o crescente aumento da participação feminina nos congressos, que chegou a mais de 40% no 11º Concut, em 2012.
Secretária de Imprensa da CUT/SP, Adriana Magalhães ressaltou a emoção de ouvir as narrativas das lideranças que abriram caminho a outras mulheres na Central, num encontro que permitiu compartilhar vivências, lutas e táticas. “Se há dificuldades ainda hoje, imaginamos as que vocês enfrentaram para que a luta avançasse e a política para as mulheres tivesse o destaque que hoje tem na CUT, pois continuamos sendo uma central sindical de referência no protagonismo feminino”, conclui.
(Do Portal CUT)