Herzog, a censura e o passado sombrio que bate à porta

Vozes silenciadas e verdades ocultadas. Esse era o cenário imposto aos meios de comunicação na ditadura militar no Brasil. O árduo período, que se estendeu por mais de duas décadas, fez vítimas e deixou marcas dolorosas na vida de muitas pessoas. E nessas circunstâncias, há 43 anos, o jornalista Vladmir Herzog foi torturado e morto por militares. À imprensa, ficou o medo e a insegurança de exercer seu trabalho. Aos familiares, a dor da perda de um ente querido.
Além de jornalista, Herzog foi professor e cineasta. No dia 24 de outubro de 1975, aos 38 anos, foi convocado para apresentar-se ao Destacamento de Operações de Informação (DOI/CODI) para prestar depoimento sobre sua conexão com o Partido Comunista Brasileiro. No dia seguinte, foi encontrado enforcado em uma cela. Conforme o Laudo de Encontro de Cadáver expedido pela Polícia Técnica de São Paulo, Herzog se enforcara com uma tira de pano – a “cinta do macacão que o preso usava” – amarrada a uma grade a 1,63 metro de altura. Ocorre que o macacão dos prisioneiros do DOI-CODI não tinha cinto. Ele era retirado, juntamente com os cordões dos sapatos, segundo a praxe naquele órgão. No laudo, foram anexadas fotos que mostravam os pés do prisioneiro tocando o chão, com os joelhos fletidos – posição em que o enforcamento era impossível. Foi também constatada a existência de duas marcas no pescoço, típicas de estrangulamento.
O que assusta, porém, é a possibilidade real de tal panorama se repetir. A cada dia, mais profissionais de comunicação sofrem agressões ― sejam elas virtuais ou físicas. Paralelo aos ataques pessoais, a censura prévia também quer calar a liberdade de expressão de veículos independentes, um direito elementar em um Estado democrático.
De acordo com reportagem do El País, apenas neste ano, 137 profissionais de comunicação foram vitimas de alguma forma de agressão, todas em contexto político, partidário ou eleitoral.
Uma análise feita pela Organização Repórteres Sem Fronteiras constatou que, em uma lista de 180 países, o Brasil ocupa o 102º lugar, na classificação de liberdade de imprensa mundial. A observação apontou também que o ambiente de trabalho para jornalistas no país é cada vez mais instável.
No último dia 20, fiscais do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) invadiram a sede do Sindipetro-NF (Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense), em Macaé (RJ), e apreenderam exemplares do tablóide especial sobre as eleições do Portal Brasil de Fato. A justificativa para tal ato era que o material cotinha matérias pejorativas contra o candidato à presidência, Jair Bolsonaro (PSL).
Vale ressaltar que os ataques a jornalistas partem, principalmente, dos apoiadores de Bolsonaro, que vêem em seu candidato a legitimação do ódio e da intolerância ao diferente. É o capitão reformado também o político que mais acionou o Judiciário este ano para silenciar a oposição. Ao todo, são 23 ações movidas por ele para tentar retirar de circulação notícias negativas e posts críticos. Uma das ações é contra o jornal Folha de São Paulo, que denunciou que um grupo de empresários – entre eles Luciano Hang, dono da Havan – está contratanto empresas para disparar fake news contra o PT para a campanha de Jair Bolsonaro (PSL). Segundo a reportagem, os contratos chegam a R$ 12 milhões e fomentaram uma grande campanha de ódio contra o PT.
Outra prática de censura que também pode ser notada nas ações do candidato é a ausência aos debates propostos por veículos diversos e a concessão de entrevista apenas a jornalistas escolhidos por ele. Na terça (23), ao ser entrevistado pela Rádio Guaíba, Bolsonaro exigiu que as perguntas fossem feitas apenas pelo âncora do programa. Já os demais comunicadores da programação deveriam ficar calados. Não suportando tal situação, o jornalista Juremir Machado pediu demissão. “Achei humilhante e, por isso, estou saindo do programa. Foi um prazer trabalhar aqui por 10 anos”, disse ao vivo o profissional.
Na avaliação do secretário-geral da CUT Brasília, Rodrigo Rodrigues, o momento é critico e exige, mais que nunca, resistência. “Não podemos deixar que nos calem. Não podemos ser intimidados por quem defende a censura, a expulsão do país daqueles que pensam diferente. Vivemos em um país democrático e temos que fazer valer nossa democracia”, disse.
A coordenadora-executiva do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Bia Barbosa, lembra que os únicos veículos de comunicação que não estão sendo atacados por Bolsonaro são justamente os que vêm exercendo ilegalmente o uso de concessões de rádio e televisão para favorecer deliberadamente o presidenciável.
“O FNDC e o Intervozes protocolaram semana passada uma representação no Ministério Público Eleitoral contra a Record e a Bandeirantes e contra uma concessionária do SBT no Pará, por campanha aberta em favor do candidato Jair Bolsonaro, já que a lei eleitoral impede que os concessionários de serviço público de radiodifusão exerçam favorecimento no processo eleitoral”, disse Bia Barbosa.
Segundo ela, “a comunicação alternativa, comunitária, popular, sindical, tem sido central para disseminar a contra narrativa de tudo isso que está acontecendo”. “Sem dúvida, a gente precisaria ter um sistema de comunicação público muito mais fortalecido para frente a esse tipo de problema.”
Fonte: CUT Brasília