Os efeitos da EC 95/16 se materializam e desigualdade social aumenta no Brasil

Sidney Chalhuoub, professor titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade de Campinas (Unicamp) e docente do Departamento de História Universidade de Harvard, EUA, declarou , recentemente, numa entrevista ao Jornal da Unicamp, que “a ideia de meritocracia como valor universal, fora das condições sociais e históricas que marcam a sociedade brasileira, é um mito que serve à reprodução eterna das desigualdade sociais e raciais que caracterizam a nossa sociedade”.
Ele afirma que a meritocracia é um mito que precisa ser combatido tanto na teoria quanto na prática. “Não existe nada que justifique essa meritocracia darwinista, que é a lei da sobrevivência do mais forte e que promove constantemente a exclusão de setores da sociedade brasileira. Isso não pode continuar”, afirmou.
A prova de que a meritocracia é um mito para justificar e alimentar a desigualdade social e racial está impressa na pirâmide social brasileira. Embora informações oficiais busquem minimizar a situação, com dados abaixo da realidade, o Levantamento da Tendências Consultoria Integrada, divulgado na semana passada, dá conta de que o abismo entre os extremos da pirâmide social aumentou cerca de 42 vezes em 2017.
Ou seja, sem as políticas públicas de distribuição de renda promovidas e financiadas pelo Estado, a população brasileira retornou ao Mapa da Fome e todas as injustiças sociais, como a violência nas cidades e os assassinatos no campo, voltaram a ser eventos cotidianos. Esse abismo é sustentado pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016, que congelou por 20 anos os investimentos do dinheiro público do Orçamento do Estado em políticas sociais.
A Tendência Consultoria usou dados da Receita Federal para realizar o levantamento e utilizou a metodologia da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para mostrar que a desigualdade social do Brasil voltou a crescer desenfreadamente e, da mesma forma, o aumento da concentração de renda é ainda mais alarmante do que dizem as estatísticas oficiais.
O resultado dessa política neoliberal de não investir nos direitos sociais instituídos pela Constituição, com redução dos investimentos do dinheiro público nessas políticas, com o único objetivo de privatizar direitos está aí. Em pouco mais de 1 ano de política neoliberal e congelamento total, o Brasil é obrigado a ter seu desenvolvimento estagnado, e mais ainda, volta a involuir.
O próprio IBGE divulgou, no dia 11 de abril, a situação da pirâmide social brasileira com base na sua Pnad e confirma esse passo atrás, rumo ao subdesenvolvimento. A conclusão da pesquisa do Instituto é a de que, em 2017, as famílias da classe A ganharam 22 vezes mais a renda das famílias das classes D/E. Contudo, o Levantamento da Tendências Consultoria Integrada indica que esse aumento é mais do que o dobro desse número oficial.
O Levantamento da Tendências Consultoria Integrada foi realizado com base em dados da Receita Federal, e mostra que, em 2016, as famílias com renda mensal acima de 20 salários mínimos abocanhavam 38% da renda nacional. Os dados oficiais do governo federal extraídos da Pnad, por sua vez, indicam que a classe A detinha apenas 14,9% da massa de renda.
O fato é que, a cada ano, as pesquisas reforçam que o Brasil é um país desigual. De acordo com o UOL, os economistas responsáveis pela pesquisa da Tendências Consultoria Integrada, Adriano Pitoli e Camila Saito, realizaram o estudo como uma Pnad ajustada para chegar em um número mais preciso sobre a distribuição de renda no Brasil.
Ainda conforme o UOL, o resultado é que, com as famílias com ganhos de até cinco salários mínimos por mês, foram utilizados os dados tradicionais da Pnad. Para a população que ganha acima desse valor foram consideradas as declarações de Imposto de Renda. Os dados de 2016 estão consolidados; mas, os de 2017, é uma projeção com base no histórico, uma vez que as informações da Receita referentes a 2017 só serão divulgados no fim de 2018.
Na matéria do site, Pitoli diz que “apesar de apontar uma enorme desigualdade, a Pnad tende a subestimar os dados de renda, pois as pessoas não informam corretamente o seu rendimento”. Isso ocorre porque a Pnad, por se basear em dados declaratórios, não mensura de forma precisa algumas fontes de renda, como ativos financeiros, aluguéis e ganhos eventuais, como dividendos, indenizações e FGTS.
A pesquisa aponta ainda que a subestimação fica maior à medida que se avança na pirâmide. Nas famílias com renda de cinco a dez salários mínimos por mês, a massa de renda ajustada pela Receita é 25% maior do que a apurada pelo IBGE.
Entre os brasileiros que ganham entre 20 e 40 salários mínimos, o número ajustado é mais que o dobro do oficial – 159,6%. Já na faixa de brasileiros com ganhos acima de 160 salários, a diferença é gritante – quase 120 vezes maior. “A desigualdade se deteriorou por conta da crise e o impacto é maior sobre as extremidades – os mais pobres e os mais ricos”, diz Pitoli.
Ele afirma que, se, por um lado, a significativa participação de empregadores na classe A (27% dos chefes de domicílio) possibilita reações mais agudas e rápidas em períodos de recessão ou de recuperação, por outro, o elevado peso de servidores nesse estrato tende a atenuar esse efeito. Além disso, a despeito das perdas com a crise, as classes mais altas tiveram um grande ganho financeiro nesse período, uma vez que os juros estavam em patamar elevado.
Mesmo a comemorada evolução da massa de renda real em 2017 (2,3%), após dois anos de retração, esconde desigualdade. Os empregadores foram os que tiveram maior queda de renda em 2016 (-6,8%), mas também, como apontou Pitoli, a mais rápida recuperação: alta de 12,4% no ano passado.
Já entre os trabalhadores por conta própria, que cresceram em meio à alta do desemprego, praticamente não houve melhora (0,1%). A pesquisa também mostra que o país, apesar de mais desigual, é mais rico, com o ajuste, a massa de renda total cresceu 50,4% em relação à apurada pelo IBGE.
“Apesar de o ‘bolo ter aumentado’, a renda não foi acompanhada por crescimento econômico”, observa Marcelo Neri, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pesquisador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Nós já saímos da recessão, mas o desenvolvimento precisa vir da produtividade partilhada – que cresce mais na base. E isso acontece com educação e incentivo a pequenos negócios.”
Com informações do UOL, Jornal da Unicamp e O Estado de S. Paulo.
Imagem: Site GGN